Blog do Mario Magalhaes

Arquivo : maio 2014

Ustra tem que explicar seu relato sobre quatro tiros no torturador Malhães
Comentários Comente

Mário Magalhães

blog - ustra

 

( O blog está no Facebook e no Twitter )

Sem querer ou querendo, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra se tornou personagem de um mistério dentro de outro mistério, a morte do tenente-coronel reformado Paulo Malhães.

Torturador, matador e ocultador de corpos confesso, Malhães apareceu morto em 25 de abril.

Desculpem os que pensam o contrário, mas inexiste mistério em Ustra ser o primeiro a noticiar que o velho camarada de Exército passou desta para a pior. Os velhos repressores da ditadura se mantêm associados. Logo, a informação teria corrido primeiro entre eles.

O mistério, este sim incômodo para Ustra, é outro: já que ele recebeu a novidade quentinha e detalhada,  por que divulgou que Malhães foi assassinado com quatro tiros, se o falecido não foi baleado, a confiar nos dados até agora divulgados pela polícia?

Ao dar o “furo”, o site “A verdade sufocada”, vinculado a Ustra, enfatizou os quatro tiros. Contou que Malhães morreu na hora e que os invasores da casa do militar levaram todas as armas lá armazenadas.

Se “A verdade sufocada” tinha informações tão seguras sobre a invasão do sítio de Malhães, na Baixada Fluminense, sobre sua morte imediata e o roubo das armas, por que alardeou quatro tiros que não existiram?

Eram para ter existido? Em caso positivo, tornaram-se desnecessários devido à morte repentina de Malhães?

Não insinuo nada, apenas considero indispensável que Ustra seja chamado pela polícia para esclarecer qual a origem do post sobre os quatro tiros. A propósito, até hoje, 5 de maio, a informação sobre Malhães baleado continua no site que sufoca a verdade.

Ustra comandou o maior campo de concentração urbano da ditadura, o Destacamento de Operações de Informações do II Exército, em São Paulo. Enquanto esteve no DOI, de 1970 a 1974, mais de 50 oposicionistas foram mortos, a maioria sob tortura, e parcela expressiva teve o corpo ocultado.

Malhães militou no Centro de Informações do Exército (CIE). Entre outros feitos, o oficial do Exército Brasileiro matou brasileiros na tortura e, para que os cadáveres não fossem encontrados e identificados, cortou seus dedos, arrancou os dentes e extirpou as vísceras.

Em meados da década de 1970, Ustra foi deslocado para o CIE, mantendo a atividade repressiva.

A Polícia Civil do Rio de Janeiro ainda não esclareceu as circunstâncias da morte de Paulo Malhães, semanas depois de seu depoimento à Comissão Nacional da Verdade.


Alô, novela das 7: ‘reportagem investigativa’ é redundância
Comentários Comente

Mário Magalhães

“Todos os homens do presidente”: uma história de repórteres _sem adjetivo

 

( O blog está no Facebook e no Twitter )

Tomara que a nova novela das 7, “Geração Brasil”, escape de certa maldição conceitual do jornalismo difundida pelos próprios jornalistas: o pleonasmo “reportagem investigativa” e suas variantes “matéria investigativa” e “repórter investigativo”.

A talentosíssima Taís Araújo, pelo que eu vi nos anúncios da TV e em notícias sobre a estreia de hoje, interpreta uma jornalista na trama, protagonizada por ela ao lado de um empresário marrento vivido por Murilo Benício.

A jornalista mergulhará em investigações. Daí que já se fala em “reportagem investigativa”.

Como inexiste reportagem sem investigação, dá-se a redundância. Qualquer matéria (sinônimo de reportagem), da mais sucinta, de curta distância, à com fôlego de maratonista exige apuração, o outro nome da investigação.

Portanto, o repórter sempre apura ou investiga. “Repórter investigativo” equivaleria, no futebol, a “artilheiro goleador” e, no jogo da vida, a “gostosa boazuda”.

Basta dizer “repórter”.

É diferente com as expressões “jornalismo investigativo” e “jornalista investigativo”, embora, para o meu gosto, afetem presunção desmedida. Mas não estão erradas, além de darem um colorido a personagens da dramaturgia.

O jornalismo investigativo exige apuração profunda, autônoma e que incomode o poder, seja qual for o poder.

Essa espécie de jornalismo não constitui um gênero. O gênero em que aparece, em qualquer plataforma, é a reportagem.

Difere-se do jornalismo que, embora sempre requisite apuração, até para um editorial ou crônica, não implica mergulhos de grande alcance na coleta, processamento e veiculação de informações.

Boa sorte para a nova colega, que poderemos conhecer à noite.

P.S.: por coincidência, Taís Araújo tem formação acadêmica em jornalismo.


Há 20 anos morria um gênio brasileiro: Dener
Comentários Comente

Mário Magalhães

 

( O blog está no Facebook e no Twitter )

A efeméride foi em 19 de abril, duas décadas da morte do craque Dener. Uns dias a mais ou a menos, a homenagem não perde o sentido.

Para quem não o viu, o vídeo acima dá ideia de quem foi Dener. Sua agilidade era tamanha que só 15 anos mais tarde, com Neymar, surgiria um atacante brasileiro tão difícil de parar.

Eu soube do acidente em Paris, quando cobria um amistoso da seleção. O pontapé inicial no Parc des Princes coube ao Ayrton Senna, que dias depois perderia a vida na Tamburello.

Quem ama o futebol sofreu com a partida do Dener, revelado pela Portuguesa e então jogador do Vasco. Ilustres torcedores da Lusa, como o Flávio, o Duarte, a Bete e o Américo devem ter sofrido muito mais.

Nos dez anos da morte, eu vasculhei as lembranças para escrever as maltraçadas abaixo.

* * *

O dia em que o Dener pediu uma forcinha

Dener andava alegre nos primeiros meses de 1994. “Ele tinha a felicidade do paulista que vai para o Rio e sabe desfrutar da praia”, diria Edmundo, com quem cruzava na noite carioca. Mudara-se havia pouco, em janeiro, para jogar no Vasco.

Morava de frente para o mar da Barra. Dividia o quarto da concentração com Ricardo Rocha. Certo dia, aconselhou o zagueiro, seu vizinho de prédio, a evitar o Jardim Botânico no caminho para casa: “Pela lagoa Rodrigo de Freitas é mais bonito, a vista é espetacular”.

Foi na lagoa que Dener deixou a vida em um fim de madrugada de abril, uma década atrás. O atacante que ninguém segurava morreu com o pescoço comprimido pelo cinto de segurança. Dormia no banco do carona reclinado quando o Mitsubishi dirigido por um amigo espatifou-se numa árvore. Tinha 23 anos.

Homenagearam-no com uma placa no local, e logo abandonaram o modesto monumento. O Vasco recusou-se a pagar o seguro reivindicado pela família. Não duvido que o processo se arraste até hoje.

Em tempo de efemérides, dos 50 anos do suicídio de Getulio aos dez da batida de Senna, pouco se falou da sua tragédia. Quem me alertou para o décimo aniversário da morte do mais ensaboado atacante que assisti ao vivo foi o Paulo César Vasconcellos, numa bela crônica no “Lance!”.

Agora que o Brasil voltou a jogar na França, o Dener não me sai da cabeça. Quando ele se foi, a seleção passava por Paris, onde se arrastaria num empate com um combinado PSG-Bordeaux. Preterido, Dener estava longe.

Em público, desdenhava: “Quem disse que eu quero ir à Copa?”. Aos amigos, confidenciava: seu sonho era regressar à seleção. Negava que tivesse sido afastado dela por causa de uns tragos a mais.

Em campo, driblava correndo. Parecia um esquiador na neve. O magrela com nome de estilista disparava, ninguém pegava. Saía pela esquerda e pela direita, como um Homem-Aranha pra lá e pra cá nos prédios da Quinta Avenida. No Canindé, assinou gols de antologia. Contra o Santos e a Inter de Limeira, deixou times inteiros para trás.

Era enlouquecido pelos três filhos. Não perdia “Família Dinossauro” na TV. Adorava o Baby Sauro. Semanas antes do acidente, caíam as águas de março na tarde de São Januário. Dener chamou os jornalistas e, em conversa reservada, pediu uma forcinha. Não vinha atuando bem. Mas não queria as reportagens falando da saudade sincera que sentia da prole que vivia em São Paulo.

Temia que mandassem para o Rio as crianças que tanto amava e sempre visitava. Sabia que não seria o melhor para elas. E brincou, para depois dar uma gargalhada emoldurada pelo bigodinho bem aparado: “Se os meninos vierem, a loira que está me namorando me larga. Mulher não gosta de homem cheio de filhos”.

Eu estava em Paris quando soube de sua morte. Escrevi um breve perfil contando algumas das histórias acima. Ao final, chorava.

(“Folha de S. Paulo”, 21 de maio de 2004)


Paulinho imita Lacerda em 1954 contra Getulio. Neto de Tancredo, Aécio cala
Comentários Comente

Mário Magalhães

“O túnel do tempo”, magnífica série de TV dos anos 1960

 

( O blog está no Facebook e no Twitter )

Que a história se repete, como farsa ou aflição, não é novidade.

No fim da madrugada de 24 de agosto de 1954, o oposicionista Carlos Lacerda defendeu que o presidente Getulio Vargas fosse mandado “para o Galeão”, como registra entrevista sua à Rádio Globo que a posteridade preservou em gravação nítida. Em seguida, o ex-ditador matou-se com um tiro no peito.

Noutras palavras, Lacerda bradou pela prisão de Getulio, contra quem não havia _e continua não havendo_ prova alguma de envolvimento no tresloucado e criminoso atentado contra o jornalista no começo daquele mês. Na ocasião, foi assassinado o guarda-costas de Lacerda, Rubens Vaz, oficial da FAB.

Nesta quinta-feira, 1º de maio de 2014, o deputado Paulinho da Força esgoelou-se em praça pública sugerindo que a presidente Dilma Rousseff vá em cana: “Se fizer tudo o que disse na televisão ontem, quem vai acabar na Papuda é ela”.

Como se sabe, os petistas e aliados condenados no processo do Mensalão cumprem pena no presídio da Papuda.

Não entendi se Paulinho é contra o aumento do Bolsa Família ou a redução do Imposto de Renda ou contra tudo. Até onde eu sei, são legais os trâmites propostos pela presidente para implantar as mudanças, cujo mérito são outros quinhentos. Nem seus prováveis adversários na disputa pelo Planalto, a despeito de divergirem das propostas, afirmam o contrário.

Seis décadas atrás, o ministro da Justiça defendeu com bravura a legalidade constitucional, contra o golpe de Estado iminente contra Getulio, governante eleito pelo povo. O ministro, homem de bem, chamava-se Tancredo Neves.

Ontem, ao lado de Paulinho no palanque, estava Aécio Neves, neto de Tancredo. Aécio não disse uma palavra se contrapondo ao surto lacerdista do seu apoiador na campanha presidencial.

Em suma, o neto de Tancredo calou quando seu companheiro propôs fazer com Dilma o que o golpista Lacerda queria para Getulio em 1954.

O que diria seu avô?