‘Trabalho sujo’, por Patrícia Campos Mello
Mário Magalhães
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Compartilho uma leitura impressionante.
A reportagem de Patrícia Campos Mello publicada no domingo conta que mais de 1 milhão e 300 mil indianos ainda sobrevivem de coletar excrementos, atividade que na história do Brasil está associada ao trabalho escravo.
A matéria ilustra com carne, suor, humilhação e osso as estatísticas divulgadas em livro pelo economista francês Thomas Piketty, que esmiuçou de modo inédito a desigualdade de renda e riqueza no planeta.
Piketty, brilhante no diagnóstico, fraquinho na receita, mas isso são outros quinhentos.
Eis a ótima reportagem veiculada pela ''Folha'':
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Trabalho sujo
Índia ainda tem 1,3 milhão de catadores de excrementos, responsáveis por limpar as fezes de 15 milhões de pessoas
Por Patrícia Campos Mello
Enviada especial a Farrukh Nagar (Índia)
Quando completou 13 anos, a indiana Sudhira, 60, se casou em seu vilarejo. De sua sogra, recebeu uma ''herança'' em vida: uma cesta de bambu, uma pá, uma vassoura e 60 casas para limpar. A partir daquele momento, o emprego de Sudhira seria limpar o excremento das pessoas do vilarejo, todos os dias. ''Da primeira vez que tive de tirar o cocô com a mãos, o cheiro era tão horrível, que eu vomitei'', contou à Folha.
Quarenta e sete anos depois, Sudhira continua limpando excrementos. Acorda às 7h e começa sua ronda. Na primeira casa, vai até o fundo do terreno, onde fica o ''banheiro'' –um buraco raso no chão, cercado por uma parede baixa de tijolos.
Cheira muito mal. Em meio a uma nuvem de moscas, Sudhira se agacha, retira os excrementos com uma pá, que segura na mão sem luva. Junta um pouco de folhas, terra e cinzas e põe em cima das fezes. Recolhe esse bolo de excrementos com a pá e põe na cesta que leva sobre a cabeça. Às vezes, escorre.
Sudhira recebe 20 rúpias (US$ 0,30) e um pão roti de cada casa. Limpa quatro latrinas por dia e, em outras 10 casas, retira o lixo e os excrementos de animais. Ninguém encosta em Sudhira, porque ela é considerada ''poluída''.
Há 1,3 milhão de pessoas na Índia que são ''catadores de excrementos'' como Sudhira. Elas pertencem a uma casta de intocáveis.
Neste país que é uma potência e já mandou um foguete para Marte, cerca de 600 milhões de pessoas fazem suas necessidades ao ar livre, no mato. Outras 15 milhões usam as chamadas ''latrinas secas'', que nada mais são do que buracos no chão usados por toda a família para fazer suas necessidades. São limpos por pessoas da casta dos intocáveis, os dalits. As mulheres são 98% dos catadores de excrementos.