Blog do Mario Magalhaes

Há 50 anos, baleavam Marighella no cinema; leia grátis relato da biografia

Mário Magalhães

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9 de maio de 1964: policiais levam Marighella – Foto Correio da Manhã/Arquivo Nacional

 

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9 de maio de 1964 – 9 de maio de 2014.

Hoje faz aniversário de 50 anos o gesto do revolucionário Carlos Marighella de resistir à voz de prisão proferida por agentes da polícia política do Rio, em um cinema na zona norte.

Na sala do Eskye-Tijuca tomada por crianças, Marighella foi baleado, e o sangue jorrou de três perfurações do seu corpo. Ferido, o cinquentão lutou capoeira contra os tiras do Dops. Para sorte dele, escapou com vida.

A atitude de Marighella foi uma resposta pública à ditadura recém-instaurada. Tamanha sua repercussão, e por representar uma síntese do militante marcado pela ação, selecionei esse episódio para abrir a biografia ''Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo'' (Companhia das Letras).

Este capítulo/prólogo do livro pode ser lido na íntegra, gratuitamente, no site da Companhia.

Publico-o abaixo. Boa leitura:

* * *

Tiro no cinema

(Prólogo do livro ''Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo'')

Carlos Marighella viu a zeladora do prédio onde morava caminhando em sua direção e pensou que, outra vez, conseguira ludibriar a polícia. Valdelice carregava um embrulho cor-de-rosa. Enfim, ele resolveria o problema da falta de roupa que o apoquentava havia mais de um mês. Na noite de 1º de abril, saíra às carreiras do quarto e sala que alugava no bairro do Catete e pulara com as pernas longas os degraus da escada do sétimo andar até o térreo. Temia ser surpreendido pela polícia política do estado da Guanabara, que talvez já preparasse o bote para capturá-lo.

Estava certo. O presidente João Goulart ainda hesitava no palácio do Planalto sobre o que fazer diante do golpe militar deflagrado na véspera enquanto, no Rio, o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) escalava uma turma tarimbada para farejar o velho freguês da sua carceragem. Antes de despachar seu pessoal à rua, o ex-arremessador de peso Cecil Borer, chefe do Dops, alertou:''Cuidado, que o Marighella é valente.''

Meia hora depois, os policiais invadiram o apartamento no Catete, mas não encontraram ninguém. Por pouco. Se em vez de subir pelo elevador tivessem se arriscado pela escada, teriam dado com quem buscavam. A correria foi tamanha que Marighella só teve tempo de pegar uma troca de roupa. Amassou-a na malinha compartilhada com Clara Charf, sua companheira havia quinze anos. Desceram até a calçada e desapareceram em um táxi. No começo da madrugada, um bimotor Avro da Força Aérea Brasileira (FAB) voou de Brasília para Porto Alegre, onde Goulart jogou a toalha. Na mesma hora, no subúrbio do Méier, Marighella reencontrava a vida clandestina.

Não era novidade para ele. Nas três décadas anteriores, passara mais tempo fugindo da polícia do que mostrando a cara. Também tinha sido assim nas últimas semanas, até o sábado em que finalmente resgataria camisas, calças e cuecas. De meias, não fazia questão. Abominava-as desde a juventude, na Bahia. Era deputado, no Rio de Janeiro ainda capital da República, e as canelas sem meias pareciam aos amigos mais uma das privações decorrentes dos modos franciscanos de quem possuía apenas três ternos, todos doados. Ganhou tantas de presente que se obrigou a mudar de hábito antes que o comércio esgotasse os estoques. No Méier, queria outras peças. Improvisou, comprou uma ou duas, porém lhe faltava o que vestir naquele mês de maio que nem estava tão quente. Na sexta-feira, a máxima mal arranhara os 27 graus.

A temperatura aumentou quando Marighella notou um homem que vigiava Valdelice a uma distância que não chamava a atenção, mas sem perdê-la de vista. Com a mesma rapidez com que superou as escadarias no Catete, comprou dois ingressos na bilheteria do Eskye-Tijuca, o cinema em frente ao qual marcara com a zeladora. Fez-lhe um sinal, e entraram sem dar ao intruso a chance de se chegar.

Marighella se precavera para o encontro, não era para falhar. Como sempre, estava desarmado. Ignorava se havia mais de um tira. Mesmo cercado, poderia escapar, imaginou. Bastaria ganhar a sala de projeção e sumir, com as roupas lavadas e passadas sob o braço, por um caminho desprotegido. Como nas telas, uma fuga cinematográfica. Ele recebeu o embrulho e sentou-se numa poltrona central, mais ao fundo. Mesmo na escuridão, viu que crianças tomavam a matinê.

Leia a íntegra do prólogo clicando aqui.