Blog do Mario Magalhaes

Há 20 anos morria um gênio brasileiro: Dener

Mário Magalhães

 

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A efeméride foi em 19 de abril, duas décadas da morte do craque Dener. Uns dias a mais ou a menos, a homenagem não perde o sentido.

Para quem não o viu, o vídeo acima dá ideia de quem foi Dener. Sua agilidade era tamanha que só 15 anos mais tarde, com Neymar, surgiria um atacante brasileiro tão difícil de parar.

Eu soube do acidente em Paris, quando cobria um amistoso da seleção. O pontapé inicial no Parc des Princes coube ao Ayrton Senna, que dias depois perderia a vida na Tamburello.

Quem ama o futebol sofreu com a partida do Dener, revelado pela Portuguesa e então jogador do Vasco. Ilustres torcedores da Lusa, como o Flávio, o Duarte, a Bete e o Américo devem ter sofrido muito mais.

Nos dez anos da morte, eu vasculhei as lembranças para escrever as maltraçadas abaixo.

* * *

O dia em que o Dener pediu uma forcinha

Dener andava alegre nos primeiros meses de 1994. ''Ele tinha a felicidade do paulista que vai para o Rio e sabe desfrutar da praia'', diria Edmundo, com quem cruzava na noite carioca. Mudara-se havia pouco, em janeiro, para jogar no Vasco.

Morava de frente para o mar da Barra. Dividia o quarto da concentração com Ricardo Rocha. Certo dia, aconselhou o zagueiro, seu vizinho de prédio, a evitar o Jardim Botânico no caminho para casa: ''Pela lagoa Rodrigo de Freitas é mais bonito, a vista é espetacular''.

Foi na lagoa que Dener deixou a vida em um fim de madrugada de abril, uma década atrás. O atacante que ninguém segurava morreu com o pescoço comprimido pelo cinto de segurança. Dormia no banco do carona reclinado quando o Mitsubishi dirigido por um amigo espatifou-se numa árvore. Tinha 23 anos.

Homenagearam-no com uma placa no local, e logo abandonaram o modesto monumento. O Vasco recusou-se a pagar o seguro reivindicado pela família. Não duvido que o processo se arraste até hoje.

Em tempo de efemérides, dos 50 anos do suicídio de Getulio aos dez da batida de Senna, pouco se falou da sua tragédia. Quem me alertou para o décimo aniversário da morte do mais ensaboado atacante que assisti ao vivo foi o Paulo César Vasconcellos, numa bela crônica no ''Lance!''.

Agora que o Brasil voltou a jogar na França, o Dener não me sai da cabeça. Quando ele se foi, a seleção passava por Paris, onde se arrastaria num empate com um combinado PSG-Bordeaux. Preterido, Dener estava longe.

Em público, desdenhava: ''Quem disse que eu quero ir à Copa?''. Aos amigos, confidenciava: seu sonho era regressar à seleção. Negava que tivesse sido afastado dela por causa de uns tragos a mais.

Em campo, driblava correndo. Parecia um esquiador na neve. O magrela com nome de estilista disparava, ninguém pegava. Saía pela esquerda e pela direita, como um Homem-Aranha pra lá e pra cá nos prédios da Quinta Avenida. No Canindé, assinou gols de antologia. Contra o Santos e a Inter de Limeira, deixou times inteiros para trás.

Era enlouquecido pelos três filhos. Não perdia ''Família Dinossauro'' na TV. Adorava o Baby Sauro. Semanas antes do acidente, caíam as águas de março na tarde de São Januário. Dener chamou os jornalistas e, em conversa reservada, pediu uma forcinha. Não vinha atuando bem. Mas não queria as reportagens falando da saudade sincera que sentia da prole que vivia em São Paulo.

Temia que mandassem para o Rio as crianças que tanto amava e sempre visitava. Sabia que não seria o melhor para elas. E brincou, para depois dar uma gargalhada emoldurada pelo bigodinho bem aparado: ''Se os meninos vierem, a loira que está me namorando me larga. Mulher não gosta de homem cheio de filhos''.

Eu estava em Paris quando soube de sua morte. Escrevi um breve perfil contando algumas das histórias acima. Ao final, chorava.

(''Folha de S. Paulo'', 21 de maio de 2004)