Lugar bom para o torturador Paulo Malhães era a cadeia, e não o caixão
Mário Magalhães
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A morte do antigo torturador, matador e ocultador de cadáveres Paulo Malhães o livrou de possivelmente vir a ser julgado e condenado pelas violações de direitos humanos das quais ele foi autor durante a ditadura.
Entre seus crimes imprescritíveis, cometidos com a farda de oficial do Exército Brasileiro, estão o de tortura e o de ocultação de cadáveres. O coronel era criminoso confesso.
De acordo com interpretação em vigor da Justiça sobre a Lei de Anistia, imposta pela ditadura em 1979, Malhães não poderia ir a tribunal e ser punido pelos crimes que acumulou como agente do Estado.
Porém, um amplo movimento se desenvolve para que o Brasil se equipare a países que não consagram a impunidade e punem antigos repressores. Ninguém encarnava a violência do Estado no período 1964-1985 como Malhães, desde que ele relatou seus ''feitos''.
À Comissão Estadual da Verdade do Rio e à Comissão Nacional da Verdade, o militar reformado disse que ele e seus parceiros, depois de matarem oposicionistas na tortura, cortavam seus dedos, arrancavam os dentes e extirpavam as vísceras. Tudo para eternizar o desaparecimentos dos prisioneiros, evitando sua identificação e impedindo que viessem a boiar, depois de atirados em rios.
Por mais características de monstro que Malhães exibisse (e ele exibia), sua principal condição não era a de vilão de filmes de terror, e sim a de funcionário público aplicado, que executava exemplarmente uma política de Estado, a da ditadura.
Malhães não praticou ''desvios'' ou ''excessos'', e sim os crimes que o governo ordenava.
Ao ser morto na quinta-feira, em sua casa na Baixada Fluminense, escapou de vir a ser julgado como a democracia impõe. No seu caso, a impunidade sobrepujou os anseios de justiça.
Seu lugar era na cadeia, e não no inferno, onde no momento, se é que o inferno existe, ele confraterniza com torturadores como Cecil Borer, Sérgio Paranhos Fleury e Freddie Perdigão. Na fila, esperando para abraçá-lo, estão os carrascos da escravidão, os matadores do Estado Novo e os veteranos do Esquadrão da Morte. Adolf Hitler já lhe apertou a mão e deu as boas-vindas.
Ainda há muitos Malhães por aí, inclusive quem durante a ditadura estava acima dele na cadeia de comando.
Sobre sua morte, o pior seria descartar qualquer hipótese: crime de queima de arquivo por parte do aparato de extermínio do jogo do bicho (Malhães trabalhou para a contravenção), latrocínio, assassinato por antigos repressores da ditadura, mostrando o que pode acontecer com quem abre o bico, vingança por outras perversidades e querelas.
(Em tempo: o jornalismo oscila entre qualificar o septuagenário Paulo Malhães como militar da reserva ou reformado e como coronel ou tenente-coronel do Exército. Ele era reformado, ou seja, ao contrário do contingente da reserva, não poderia mais ser convocado para combater numa guerra, devido à idade. Na hierarquia do Exército, o tenente-coronel está um posto abaixo do coronel. No cotidiano, contudo, é tratado também como ''coronel Fulano''.)