Blog do Mario Magalhaes

Nota da Polícia Civil omitindo tiro expõe mistério sobre morte de dançarino

Mário Magalhães

 

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O secretário de Segurança do Estado do Rio, José Mariano Beltrame, afirmou nesta quarta-feira, sobre a investigação dos incidentes no morro Pavão-Pavãozinho que resultaram em duas mortes:

''Não quero antecipar proteção aos policiais, mas não quero condená-los preliminarmente. Preciso de um indício mínimo que seja para fazer isso [afastamento dos PMs]. No momento são várias teses, muita especulação. Não quero tomar nenhuma atitude antecipada''.

O secretário está certo em não tomar decisões apressadas e levianas, embora a retirada ao menos temporária de alguns policiais militares do trabalho externo possa ser adequada medida preventiva, para não levar ainda mais tensão à favela fincada entre Copacabana e Ipanema. E talvez para evitar pressão sobre eventuais testemunhas.

Se o secretário, com razão, rejeita conclusões açodadas, como explica a nota divulgada na noite de terça-feira sobre a morte do dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG?

A Polícia Civil, subordinada à secretaria comandada por Beltrame, informou aos jornalistas que ''as escoriação [sic] de Douglas são compatíveis com a morte ocasionada por queda'' (conferir reprodução acima, veiculada em reportagem do UOL).

A apreciação teria sido feita por peritos criminais do Estado.

Bastou o cadáver do artista de 26 anos chegar ao Instituto Médico-Legal para se constatar que ele foi atingido por um tiro e morreu de hemorragia interna.

Por que a Polícia Civil divulgou uma informação contrária aos fatos?

É importante fixar o contexto. No momento em que a nota era veiculada, moradores do Pavão-Pavãozinho se manifestavam contra a Polícia Militar, acusando-a de ter sido responsável pela morte de Douglas.

No protesto, Edilson Silva dos Santos, um homem jovem com perturbações mentais, foi morto a bala. A PM não informou em que circunstâncias Edilson foi atingido. Que eu saiba, também não assumiu que o tiro partiu de policiais.

No horário da nota distribuída anteontem, estavam no ar os telejornais locais do Rio. Não afirmo que a Polícia Civil tenha fraudado de propósito a verdade (não creio nisso, explico abaixo), porém sua versão se prestava, mesmo sem errar por querer, a tentar baixar a voltagem. Como quem diz: Douglas não foi morto a bala, mas por cair do alto de um prédio. Isto é, foi acidente, e não incidente.

O nervosismo do momento é retratado pelo erro de português na nota da assessoria, fruto, é claro, não de ignorância, mas de pressa (já  cometi equívocos piores).

Não sei se Beltrame anunciou investigação sobre os peritos que sugeriram que Douglas morreu de queda.

Penso _inexiste ironia aqui_ que os peritos disseram, em observação preliminar, que o dançarino morreu numa queda, e não de tiro, porque não viram a perfuração. Erraram sem querer. Não foram desonestos.

Nenhum servidor público faria uma afirmação a ser desmoralizada logo depois pelos médicos-legistas.

Por que, na hipótese de inexistência de dolo, os peritos (ou o perito) não viram a marca do tiro?

Por pior que fosse a iluminação, a posição do cadáver e as condições de exame, eles teriam observado a perfuração se houvesse sangue em torno dela. Eles não viram o tiro porque inexistia sangue em torno da perfuração?

Cabe aos peritos responderem, mas a nota da noite de terça-feira parece ter sido esquecida, também pelo jornalismo.

Perguntei há pouco a um tarimbado perito criminal se ele já viu não haver sangramento na perfuração a bala. Nunca, ele respondeu.

E se a pessoa já estivesse morta quando foi baleada, indaguei.

Ele explicou que, se o sangue já estivesse coagulado, não escorreria.

Acrescentei: e não haveria pressão arterial para ocorrer sangramento.

Evidentemente, não sugiro que tenha ocorrido isso, um tiro num cadáver para ocultar outra razão da morte.

Mas é inegável que carece de esclarecimento o motivo que levou a Polícia Civil a divulgar a nota de anteontem.

Havia marcas de sangue ao redor do local onde Douglas foi encontrado, em paredes, por exemplo. Mas não era necessariamente sangue provocado pelo tiro, e sim por escoriações, talvez ocasionadas por queda (estivesse ele vivo ou morto ao cair).

A mãe dele insiste que o filho foi torturado até a morte por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora.

A PM sustenta que o dançarino do programa ''Esquenta'' foi atingido durante tiroteio com traficantes e que não é possível saber, por enquanto, de quem partiu o disparo.

Em meio a tantas dúvidas, incluindo o mistério do teor da nota da Polícia Civil, algumas certezas:

1) a PM costuma encarar a população das favelas como inimiga, aliada de criminosos, quando na verdade a esmagadora maioria dos moradores é vítima da bandidagem;

2) a nota da Polícia Civil continha erro grave de informação;

3) seria melhor, como no caso Amarildo, a Divisão de Homicídios assumir plenamente a investigação, e não apenas colaborar com ela.