Blog do Mario Magalhaes

Alguém ainda consegue acreditar nas versões da Polícia Militar do RJ?

Mário Magalhães

Barricadas queimam em acesso do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana – Foto Lucas Landau/Reuters

 

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Eu seria muito leviano se dissesse ter certeza das circunstâncias em que o dançarino DG, 25 ou 26, morreu ou foi morto (a conjugação verbal muda a história) no morro Pavão-Pavãozinho.

E seria muitíssimo ingênuo se acreditasse, sem provas irrefutáveis, na versão da Polícia Militar do Rio de Janeiro sobre o episódio.

Também ignoro como se deu a morte a bala do cidadão Edilson da Silva Santos, 27, alegadamente durante o protesto de ontem dos moradores da favela contra a morte de DG, cujo nome de registro, que só se conheceu na desgraça, era Douglas Rafael da Silva Pereira.

Estou mais por fora ainda sobre o menino de 12 anos que, de acordo com testemunhas, teria sido ferido. Até o momento em que escrevo, a PM nada fala.

Mas a convicção, em todos os casos, é a mesma: é impossível se fiar, sem desconfiar, nos relatos da PM. Esse sentimento, que se alastra, não é só meu.

Lembram-se do Amarildo? Até a investigação desmascarar as mentiralhadas de agentes da Unidade de Polícia Pacificadora da Rocinha, a PM negava a morte sob tortura e a ocultação do cadáver do pedreiro.

E da Claudia Silva Ferreira, baleada durante operação da PM no morro da Congonha e arrastada até a morte por um veículo da corporação? A inverossimilhança tingiu os depoimentos dos policiais envolvidos.

Sobram exemplos.

A Polícia Civil não tem se saído muito melhor.

Ontem,  soltou nota divulgando que análise do Instituto Médico-Legal mostrara escoriações do dançarino do programa ''Esquenta'' ''compatíveis com morte ocasionada por queda'' (leia aqui reportagem do UOL).

Mais tarde, o ''Jornal da Globo'' revelou que o artista foi morto, conforme declaração de óbito do IML, por ''hemorragia interna decorrente de laceração pulmonar decorrente de ferimento transfixante no tórax''.

Em linguagem de gente, isso costuma significar que uma bala entrou e saiu. Antes, a Polícia Civil só descrevera escoriações. Por quê?

No caso Amarildo, a atuação do delegado Orlando Zaccone foi decisiva para impedir manobra dentro da Polícia Civil para livrar os PMs da suspeita de crime. Onde está Zaccone? Caiu em desgraça.

Há uma UPP no Pavão-Pavãozinho, morro fincado entre Copacabana e Ipanema. A mãe de DG afirmou: ''[Meu filho] foi torturado pela PM da pacificação até a morte''. Ela contou ter visto marcas de botas no corpo do filho, que teria sido surrado.

E o jornalismo ainda se refere a ''favela pacificada''. Santa hipocrisia!

Alguém ainda consegue acreditar nas versões da PM?

Parece aquela história do garotinho que, brincando, grita por socorro quando mergulha no mar. Quando o afogamento é para valer, ninguém o leva sério. Mesmo quando a PM é sincera, muitas pessoas mantêm o ceticismo.

A violência dos policiais militares contra os moradores é um dos principais motivos das dificuldades do programa de UPPs. Os PMs encaram o povo da favela como inimigo, aliado de traficantes e bandidos em geral. Por isso atiram e matam inocentes.

No Rio e no Brasil, a polícia odeia pobre.

A redução, descartando o lero-lero promocional, do programa a operações de guerra, sem contrapartida robusta de apoio social, também faz as UPPs patinarem.

Por interesse político, as UPPs foram ampliadas sem que houvesse recursos humanos para isso. PMs, mais de 1.600, existem para expulsar pobre de ocupação de prédio e terreno abandonados, mas não para protegê-los dos criminosos que infernizam a vida dos trabalhadores, sobretudo os que vivem em favelas.

A lei mandou ''desocupar''? A lei também ordena garantir a segurança dos cidadãos. O governo estadual tem suas prioridades.

Poucos cariocas ligaram para a matança de ao menos dez jovens no complexo da Maré em junho do ano passado.

Os policiais se complicam ao reproduzir na zona sul o que fazem no subúrbio, na zona oeste e na Baixada. A Rocinha fica grudada a São Conrado. O Pavão-Pavãozinho, a dois bairros de classe-média para cima, a considerar o pessoal do asfalto.

Há muitas dúvidas e suspeitas sobre o que ocorreu ontem.

A certeza é que a palavra da Polícia Militar, por sua própria culpa, tem carecido de credibilidade.

Que São Jorge, cujo dia se comemora hoje com feriado aqui no Rio, nos proteja.