Delfim Netto, o sabichão, agora diz que não sabia dos crimes da ditadura
Mário Magalhães
Poucos protagonistas da ditadura receberam e recebem tratamento tão reverencial do jornalismo brasileiro quanto o economista Delfim Netto. No regime de 21 anos, parido com a deposição do presidente constitucional João Goulart em 1964, Delfim encabeçou três Ministérios _Fazenda, Agricultura e Planejamento_, nos governos dos generais Costa e Silva, Médici e Figueiredo. Na década de 1970, ocupou o cargo de embaixador na França.
Em dezembro de 1968, foi um dos fervorosos signatários do Ato Institucional 5, que restringiu ainda mais as liberdades. Contribuiu decisivamente para uma das mais longevas heranças da ditadura: o agravamento da obscena desigualdade no país.
Nem por isso o ex-ministro deixou de ser uma espécie de oráculo na economia nacional. Quando parece não se saber muito bem para onde o barco vai, Delfim é consultado, como uma espécie de bússola. Sobre os males que ele ajudou a causar ao Brasil e aos brasileiros, só é indagado em efemérides relativas ao golpe de Estado e os governos dele gerados. Ainda bem que existem as efemérides.
O brilhante Delfim Netto _aqui inexiste ironia_ costuma mostrar desembaraço para se pronunciar sobre isso e aquilo, está sempre por dentro. Gato mestre. Menos quando se trata de violações de direitos humanos na ditadura à qual serviu. Até as formiguinhas que caminhavam nas calçadas de delegacias e quartéis sabiam da tortura, menos o superministro.
Sua alegada ignorância foi reiterada ontem numa entrevista conduzida com maestria pelo repórter Aguinaldo Novo (leia aqui).
Delfim reafirmou que nada sabia: ''Uma vez perguntei ao presidente Médici se havia tortura. Ele me disse que não. Nós ouvimos, como todos, coisas aqui e ali. Acreditei nele''.
E dá para acreditar em Delfim?
Por que se fiou no ditador? ''Confiei porque era um sujeito correto, decente.''
E ao inspetor Luis Apollonio, mais célebre quadro da polícia política paulista, com atuação dos anos 1930 até pelo menos 1969, o que indagou? Delfim era seu sobrinho.
Sem constrangimento, o antigo ministro justificou a concentração de poderes proporcionada pelo AI-5: ''Fizemos uma reforma tributária que durou 25 anos. Em 1973, o Brasil era citado pelo Banco Mundial como exemplo nessa área''.
E a história cita tal política de tributos como combustível para a expansão da concentração de renda.
Sobre fraude em números oficiais da inflação, como a que aparentemente ocorre hoje na Argentina, Delfim enrolou.
Referendou e legitimou (tentou legitimar) o golpe.
Sentenciou que ''não tem nada do que se arrepender''.
E ainda tripudiou de velhos adversários, que passaram a lhe conferir ares de sábio, como conselheiro governamental nos anos do presidente Lula. ''Quem mudou mais, o senhor ou os inimigos?'', questionou o repórter.
Delfim deitou e rolou: ''Eles se aproximaram de mim''.