No Brasil do Plano Cohen, do Riocentro e do caso PC, todo ceticismo é pouco
Mário Magalhães

Integralistas, grupo fascista brasileiro dos anos 1930, fazem a saudação tradicional – Foto reprodução
( O blog agora está no Facebook e no Twitter )
Como todo mundo, com exceção dos sabichões costumeiros, de algumas coisas eu sei, e de outras não.
Sei um pouco sobre o Plano Cohen. Na década de 1930, havia no Brasil uma organização de massas batizada como Ação Integralista Brasileira. Os integralistas, malditos como galinhas-verdes, eram fascistas brasileiros, inspirados em Mussolini. Alguns líderes, como Gustavo Barroso, eram antissemitas nos moldes de Hitler.
A organização mantinha um serviço secreto, comandado por um oficial do Exército chamado Olímpio Mourão Filho. No futuro, logo depois de deflagrar o golpe de Estado de 1964, o então general Mourão Filho diria que, a depender da sua compreensão de política, não passava de uma ''vaca fardada''.
Modéstia dele. Certa feita, em 1937, Mourão elaborara um estudo dantesco sobre o que seria uma tentativa de insurreição comunista. O documento, tratando de hipótese fantasiosa (o PCB estava em coma, com os principais dirigentes em cana), foi alardeado pelo governo Getulio Vargas como plano real. Redigira-o um certo Cohen, comunista e, traía o sobrenome, judeu.
Com base na elucubração, transformada pela fraude governista no tal Plano Cohen, Getulio capitaneou um golpe em novembro de 1937, implantando a ditadura do Estado Novo, que só terminaria em 1945. Repetindo: o plano falso serviu de pretexto para o fechamento do Congresso e o alastramento da repressão.
Sei mais um pouco sobre as bombas que explodiram do lado de fora do Riocentro na noite de 30 de abril de 1981. Dentro do pavilhão carioca amontoavam-se milhares de oposicionistas à ditadura (1964-85), para o show do 1º de Maio. Terroristas do Destacamento de Operações de Informações levavam bombas, que por ''acidente de trabalho'' explodiram com eles. Se os artefatos tivessem sido detonados onde os militares haviam previsto, poderia ter ocorrido uma tragédia.
O atentado do Riocentro foi investigado em um inquérito policial militar fajuto. A ditadura divulgou que o sargento morto e o capitão ferido haviam sido vítimas de sanguinários guerrilheiros de esquerda. Era mentira, como mais tarde a União concluiu e coronéis reconheceram na coleção de história oral da Biblioteca do Exército que trata do ciclo inaugurado com a deposição de João Goulart.
Sei ainda um pouquinho mais sobre as mortes de Paulo César Farias e Suzana Marcolino em 1996. O inquérito policial daquele ano propagou que o ex-tesoureiro de Fernando Collor havia sido assassinado pela namorada, que teria se suicidado em seguida. Cascata, como julgou em 2013 o tribunal do júri: Suzana não atirou nem em PC nem em si mesma. Eles foram liquidados por outra ou outras pessoas. Quem? Acusação sem provas não é comigo.
De Jonas Tadeu eu sei que foi advogado de integrante de milícia paramilitar no Rio. Para quem ignora as consequências nefastas da existência dessa gente, não me canso de recomendar o filme ''Tropa de Elite 2''.
Mas não sei como Tadeu virou defensor dos dois jovens suspeitos do assassinato do repórter cinematográfico Santiago Andrade. Conheço sua versão, que é a do quase acaso. Mas, saber, não sei.
Sei que Jonas Tadeu é fã da apresentadora Sheherazade, como li hoje em reportagem do colega Sérgio Ramalho. Sobre a musa da intolerância, o advogado pontificou na internet: ''Muito bom ter você na televisão, uma jornalista de honra e de imenso senso de dignidade''. Até onde Tadeu pode ir para irrigar valores como os dele e de Sheherazade, eu não sei.
Sei que o advogado disse que cliente seu recebia R$ 150 para participar de manifestações. Não sei se acredito. Houve quem se fiasse em sua afirmação de que um cliente não poderia identificar o outro cliente por desconhecer o rosto. Mais tarde, deu-se o reconhecimento.
Não sei por que interesses mais pontuais Jonas Tadeu milita nesse episódio, embora saiba que ele possa estar apenas representando seus clientes. Será?
Porém, sei que a insistência em ''mandantes'' e ''aliciadores'', em tese legítima, pode servir a interesses bem precisos. Quem mais ganhou com tudo isso até agora? Será que a resposta não é tão evidente como parece a mim?
Em junho de 2013, havia 300 mil pessoas nas ruas, onde agora só aparecem 500. Gritavam, no ano passado: ''Ei, Cabral, vai tomar…''. Sei que ter sido favorecido em nada compromete obrigatoriamente o governador, hoje um tanto esquecido.
Quando começa a ser registrado em depoimento que um suposto participante de homicídio viu bandeira de partido x ou y, fica estranho. Eu também vi, mas de muito mais agremiações. Por que umas são citadas e outras não? Querem causar danos a quem não tem vínculos com a morte de Santiago? Será que só eu sei que contribuir com dinheiro para manifestações pacíficas não equivale a patrocinar a violência de outros?
Sei também que a morte de Santiago é infame, assim como justificar seus matadores é outra infâmia. Não chama a atenção que os depoimentos dos principais suspeitos sejam tomados como verdade verdadeira e não como versão?
Não sei onde isso tudo vai dar. Mas sei que, em um país com a nossa história, ceticismo nunca é demais.
Sei também que, até anteontem, um advogado de miliciano não seria acolhido como o arauto da lei e da ordem, acima de qualquer suspeita.
É melhor saber que pouco sei do que sair dando uma de sabe-tudo para, talvez, referendar uma nova caça às bruxas.
Atualização (14.fev.2014, 10h), três observações suplementares:
1) esperei pelos jornais impressos em busca de referências aos R$ 150 que Caio de Souza receberia para participar de cada protesto, de acordo com o advogado Jonas Tadeu. Afinal, o preso deu, na cadeia, depoimento à Polícia Civil. Só encontrei referências dele a um troco oferecido para a passagem no próximo protesto e à distribuição de quentinhas numa ocupação. Que fim levaram os R$ 150?;
2) ok, o dinheiro da contabilidade de um certo grupo de manifestantes se destinava a uma festa de Natal com moradores de rua. O que não sei é quem paga o advogado dos dois presos suspeitos de assassinar Santiago. Quem paga? Quem pagou a viagem à Bahia?;
3) que fim levou a história da conexão entre Caio, cujo nome ainda era desconhecido, com Marcelo Freixo? Isso, eu sei, é factoide.