Blog do Mario Magalhaes

Imagens contam a história: vingança, herança da escravidão e impunidade

Mário Magalhães

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Na madrugada do sábado, a artista plástica Yvonne Bezerra de Mello postou o seguinte desabafo-denúncia no Facebook, acompanhando a foto que aqui no blog sai mais abaixo, a terceira:

''Belissimo fim de noite.
Depois de uma reuniao do Aterro Vivo aqui em casa e me preparando para dormir, Alvaro Braga da associação de St. Teresa voltou pars me buscar porque passando de carro na Av Rui Barbosa depois da reuniao, viu um jovem todo machucado, nu e preso a um poste com uma tranca de bicicleta. Tinha sido espancado por uma gangue de moto que costuma roubar aqui nessa minha rua. Acionamos os bombeiros que prontamente vieram e serraram a tranca. Logo depois chegou a ambulancia para levar o jovem. A PM tb foi acionada por mim mas o caso dele necessitava de um hospital.
Violencia no Rio, mais um capitulo''

Como era previsível, os arautos da barbárie se esgoelaram xingando-a de defensora de marginais, quando na verdade ela advoga o primado da lei, e bandido é quem se julga no direito de fazer _alegada_ justiça com as próprias mãos.

A brava Yvonne não há de se incomodar, pois faz décadas que está acostumada a essa histeria. Entre outros bons serviços prestados aos mais pobres, a artista amparava os garotos e jovens que dormiam na Candelária no tempo, duas décadas atrás, em que oito meninos de rua e mendigos foram mortos ali numa chacina.

Três motivos conspiram para a ação perpetrada pela turma que se tratava, conforme o rapaz agredido, como ''justiceiros'':

1) vingança. Em vez de encaminhar para a polícia um suposto ladrão que supostamente estaria roubando, os ''vingadores'' assumem o papel do Estado, surrando, em grupo, o indivíduo solitário. Comportamento típico do caldo de cultura do fascismo. E de covardes;

2) o agredido é negro _e talvez seja menor de idade. Faz 125 anos que a escravidão acabou no Brasil, o que historicamente é o tempo de um espirro. Muito da nossa organização social e da cultura nacional está impregnado pela segregação do passado nem tão remoto, no qual castigos físicos a escravos constavam da lei;

3) a história evidencia que quem fere os mais fracos, mesmo que contra a lei, não costuma ser punido no Brasil. Quando o fraco fere o forte, aí, sim, sai de baixo, a lei se impõe.

Três imagens contam mais da herança da escravidão.

SÉCULO XIX – A pintura abaixo, ''Escravidão no Brasil'', é do parisiense Jean-Baptiste Debret, que viveu aqui de 1816 a 1831.

Ficheiro:024debret.jpg

SÉCULO XX – Esta fotografia, consagrada com o Prêmio Esso, foi intitulada ''Todos negros'' pelo autor, Luiz Morier. Em 1983, o então fotógrafo do ''Jornal do Brasil'' se deparou com uma blitz policial na estrada Grajaú-Jacarepaguá, cá no Rio. E documentou moradores da comunidade amarrados como outrora. Todos negros.

SÉCULO XXI – Esta é a foto _escurecida, para não identificar o rapaz_ que Yvonne Bezerra de Mello publicou no Facebook. Nu, ferido e preso pelo pescoço, como seus antepassados, o jovem negro é humilhado numa rua do Rio de Janeiro. Os bombeiros o levaram para o hospital.