Blog do Mario Magalhaes

Em 2014, como ensina o sábio Odair José, momentos felizes para todos!

Mário Magalhães

Beijo retratado pelo fotógrafo Robert Doisneau na Paris de 1950: eis um momento feliz

 

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Cavucando na memória da música brasileira, não encontrei receita mais sábia de ''felicidade'' do que a do Odair José, à qual eu já aderira havia muito tempo: o melhor é esquecer a tal da felicidade e viver, sem cansar, os momentos felizes. Literalmente, ''felicidade não existe, o que existe na vida são momentos felizes''.

Escrevi meses atrás sobre isso, no texto que compartilho abaixo.

A canção com o verso-lição é ''A noite mais linda do mundo'', que pode ser ouvida clicando aqui.

Nascido neste atribulado 2013, o blog dá uma breve parada e regressa na segunda quinzena de janeiro.

Um 2014 com muitíssimos momentos felizes para todos!

Tim-tim.

*

A tal da felicidade

Três por quatro da alma, a música retrata uma angústia candente, a busca da felicidade. Desbravar o labirinto que desembocaria nesse sentimento supremo às vezes parece impossível. Quando se descobre a saída, logo o destino teima em escapulir por novos e tortuosos caminhos.

“Tristeza não tem fim, felicidade sim”, compôs Vinicius de Moraes, com Tom Jobim. Chico Buarque, em parceria com Francis Hime, polvilhou ceticismo: “Jura que a felicidade/ É mais que uma vontade/ É mais que uma quimera”. Roberto e Erasmo sugeriram, sem convicção: “Não fique triste, o mundo é bom, a felicidade até existe”.

Existe, mas pressupõe perigo, alertou a letra de Nando Reis em melodia de Samuel Rosa: “Ela não passa de um desejo inflamável”. Não é à toa que Belchior traduziu uma sacada de John Lennon, “a felicidade é uma arma quente”.

Tão quente que quem a encontra já cogita perdê-la, feito Renato Russo: “A felicidade mora aqui comigo, até segunda ordem”. Antes, Lupicinio Rodrigues padecera: “Felicidade foi-se embora, e a saudade no meu peito ainda mora”. Como Noel Rosa, em tabelinha com Renê Bittencourt: “Eu fico triste/ Quando vejo alguém contente/ Tenho inveja dessa gente/ Que não sabe o que é sofrer”.

A felicidade não constitui fetiche menor para quem julga ter decifrado seu DNA. “A felicidade mora ao lado, e quem não é tolo pode ver”, poetou Ronaldo Bastos, com acordes de Beto Guedes. Gonzaguinha alardeou, na versão contagiante das Frenéticas: “A tal da felicidade baterá em cada porta”.

O problema é que, se tudo é simples assim, muita gente se tinge de culpa quando não se sente feliz. A obsessão pela felicidade a transforma em miragem. Em vez de desfrutar do contentamento, nós nos atormentamos por ele não ser permanente.

Como se livrar da aflição? Recorrendo ao próprio cancioneiro nacional. Inspirado por uma noite de amor, Odair José pontificou: “Felicidade não existe, o que existe na vida são momentos felizes”.

Trocando em miúdos, seremos mais felizes se não nos enfeitiçarmos pela ideia da felicidade utópica, e sim por experiências felizes, muitas e muitas, mesmo fugazes, sem cansar, mas sem a ilusão da eternidade.

Odair já foi menosprezado como artista “brega”. No balanço sincero da história, eu o cultivo como um gigante do pensamento, do porte de um filósofo alemão, de um existencialista francês.

(Mário Magalhães, ''Azul Magazine'', julho de 2013)