Blog do Mario Magalhaes

Arquivo : novembro 2013

Elio Gaspari e a prisão de Genoino – “Roma, setembro de 1944: ‘Bem feito'”
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Mário Magalhães

blog - genoino preso vale este

Justiça é uma coisa; covardia, outra – Foto reprodução UOL

 

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Não entrarei no mérito das condenações do mensalão. São legítimas todas as opiniões. Inaceitável é a covardia. É sobre ela que Elio Gaspari escreve brilhantemente hoje, sem mencioná-la pelo nome.

A íntegra pode ser lida clicando aqui. Abaixo está a abertura.

*

Por Elio Gaspari

18 de setembro de 1944: Roma estava sob controle das tropas americanas, Mussolini já havia sido passado nas armas. No Palácio da Justiça, o ex-prefeito da cidade esperava a audiência do processo que respondia por ter entregue aos alemães uma lista de cinquenta presos para completar a lista de 330 italianos que seriam executados em represália a um atentado em que a Resistência matara 33 soldados alemães. No prédio, como testemunha, estava Donato Carretta, diretor da prisão de Regina Coeli, de onde saíram muitos dos presos. Uma mulher reconheceu-o e gritou: “Assassino, você entregou meu filho aos alemães”.

Ele começou a apanhar no tribunal. Levaram-no para a rua e pediram que um motorneiro passasse com o bonde por cima dele. O homem recusou-se. Chamaram-no de fascista, mostrou sua carteirinha do Partido Comunista e foi em frente. Mataram Carretta a pauladas e penduraram seu corpo da porta da prisão que dirigira. Seu linchamento lavou a alma de muita gente. Havia sete mil pessoas na cena. Quem foi o culpado? O outro.

Novembro de 1944: Carretta foi inocentado da cumplicidade com os crimes alemães. Em sua defesa apresentaram-se três presos cuja fuga ele facilitara: Giuseppe Saragat e Sandro Pertini (que viriam a presidir a Itália), bem como o líder socialista Pietro Nenni.

Linchamentos deixam lembranças amargas.


História – Na queda da Ucrânia, ecoa a glória eterna dos heróis da padaria
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Mário Magalhães

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Franceses comemoram, e ucranianos lamentam: c’est la vie – Foto AP Photo/Michel Euler

 

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A valente seleção ucraniana não resistiu ao poderio francês e perdeu ontem a classificação para a Copa do Brasil, ao cair por 3 a 0 no Stade de France (torci para Ribéry e seus mosqueteiros).

Assim que o juiz apitou o fim da batalha, muitos jogadores da Ucrânia despencaram no gramado. Lembrei-me dos seus compatriotas que noutro contexto combateram, até o derradeiro suspiro, uma equipe de aviadores nazistas.

Evoquei o episódio em 2004, quando era colunista de futebol da “Folha de S. Paulo”.  A íntegra está abaixo.

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Os heróis da padaria

Quem via não esquece o “Túnel do Tempo”, seriado que despejava dois amigos no meio de rolos épicos da história. A mancada dos cientistas inventores da engenhoca não permitia resgatar a dupla, que vagava em apuros de século em século. Cansei de sonhar: onde eu gostaria de cair, ser testemunha ocular?

Depois de devorar “Futebol & Guerra” (Jorge Zahar Editor, 203 páginas), livro do jornalista e escritor britânico Andy Dougan, sei que vou mudar mais de cem vezes as minhas listas dos dez melhores filmes e da seleção brasileira de todos os tempos antes de duvidar, se é que algum dia duvidarei, que eu queria mesmo era aterrissar em 9 de agosto de 1942 na Kiev ocupada pelas tropas nazistas. Assistiria, no fim da tarde dominical de verão, ao jogo entre os ucranianos da padaria número 3 e o Flakelf. O confronto de futebol entre os prisioneiros de guerra e seus algozes do time da Luftwaffe, a força aérea do Hitler.

Os alemães haviam invadido a União Soviética pouco mais de um ano antes. Não conseguiram sobrepujar as barreiras humanas de Stalingrado, mas dominaram a Ucrânia. Kiev caiu em setembro de 1941. Em dois dias, executaram 33.771 judeus. Dois eram jogadores do Dínamo.

O Dínamo de Kiev nascera na década de 20. Tornou-se um dos gigantes soviéticos, ganhou fama na Europa. Com a invasão, foi fechado. Um louco por futebol, colaboracionista escalado para tocar a padaria industrial de 300 operários, contratou os atletas. Sugeriu, e os nazistas toparam, um torneiozinho para engambelar a malta.

Os padeiros oriundos do Dínamo montaram seu time. Batizaram-no F. C. Start. Golearam guarnições alemãs e um timeco de fascistas ucranianos. Sem uniformes, rasgavam calças e jogavam de sapatos. Numa quinta-feira, enfiaram 5 a 1 no Flakelf, anunciado como o bambambã germânico. No domingo haveria revanche.

Soldados alemães tomaram o estádio com seus cães pastores. O árbitro foi um oficial da SS. Antes do jogo, ele foi ao vestiário e avisou que o Start teria que fazer a saudação “Heil, Hitler”. Outros aconselharam que seria melhor entregar o jogo.

Era uma turma tarimbada. Já havia se negado a dedurar um companheiro aos urubus do NKVD, a polícia política stalinista. Em vez de saudar o führer, gritou “Vida longa ao esporte!”. O Flakelf bateu como quis, porém perdeu de 5 a 3, com a humilhação suprema imposta pelo zagueiro Alexei Klimenko: driblou o time alemão inteiro e parou a bola em cima da linha. Não fez o gol e chutou para o meio do campo.

O oficial da SS resolveu acabar a partida antes da hora. Não demorou muito para a Gestapo baixar na padaria e levar os craques para um campo de concentração. Um jogador foi morto na tortura. Outros três, a bala, inclusive o garoto que não tocou a bola para dentro do gol. Nikolai Trusevich berrou pela última vez, antes de cair com a camisa de goleiro, seu único agasalho: “O esporte vermelho nunca morrerá!”


Marina afunda, cinco meses depois do auge das jornadas de junho
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Mário Magalhães

blog - marina silva (vale) aparencia preocupada

Marina Silva, hoje em mau momento – Foto Thiago Bernardes/UOL

 

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Neste feriado de 20 de novembro, amanhã, faz cinco meses que estimados 300 mil manifestantes saíram às ruas no Rio, no auge das jornadas de junho _não testemunhei o protesto, pois levara as crianças para assistir aos 10 a 0 da Espanha sobre o Tahiti. Três dias antes, mais de 100 mil pessoas tinham tomado a Rio Branco, e eu me assombrara com a multidão que eu jamais vira tão caudalosa na avenida de vasta tradição política.

Naquela segunda-feira, 17 de junho, eu pensei, mas não escrevi, para não contaminar com especulações eleitorais a reportagem sobre o ato: esse mar de gente vai empurrar o barco de Marina Silva. A antiga senadora pregava a rejeição aos partidos tradicionais, agitando a bandeira da Rede. “Sem partido”, esgoelava-se a maré humana.

Quase meio ano mais tarde, meu erro de análise é evidente: a correnteza engolfou mesmo a esquadra de Marina e seus aliados, mas para trás. A Justiça barrou a criação do seu partido, ela aceitou um lugar secundário ao lado do timoneiro Eduardo Campos, e a intenção de votos em sua possível candidatura pelo PSB foi abatida pela contracorrente, como comprova pesquisa do Ibope divulgada ontem (leia aqui).

Em menos de um mês, Marina caiu de 21% para 16%, na corrida com Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB). No confronto em que Aécio é substituído por José Serra, a filiada ao PSB despencou de 21% para 15%.

No cenário mais provável, com Dilma x Aécio x Eduardo, o candidato do PSB recuou de 10% para 7%. Trocando em miúdos, o correligionário de Marina perdeu 30% em menos de quatro semanas.

Se meses atrás Marina impediria o triunfo de Dilma no primeiro turno, hoje a presidente teria a reeleição assegurada. A pesquisa foi realizada antes da prisão dos condenados no processo do mensalão, assunto que a essa altura não parece influenciar o eleitorado.

Pode ser que Marina tenha regredido porque parte do eleitorado sabe que ela não deve ser candidata. Mas como explicar a solidez de José Serra, que oscilou para cima, enquanto Aécio ficou onde estava? Serra passou de 18% para 19% e de 16% para 17%, a depender do elenco de postulantes. É candidatíssimo.

É cedo para saber quem vai mesmo emparelhar na largada oficial para as eleições do ano que vem. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, não deveria ser descartado. E Marina, a despeito dos reveses, pode reencontrar os bons ventos.

Mas é impressionante que ela tenha perdido a oportunidade de se beneficiar da onda histórica de meados de junho. Trocando as metáforas marítimas pela terrestre: como diria o velho Leonel Brizola, o cavalo passou encilhado, e quem poderia não o montou.


Na ‘Carta de Fortaleza’, biógrafos repudiam censura (#biografias)
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Mário Magalhães

João Máximo, Luiz Fernando Vianna e Paulo Cesar de Araújo, em debate no festival de biografias - Foto Guilherme Silva/ Divulgação

João Máximo, Luiz Fernando Vianna e Paulo Cesar de Araújo, em debate no festival de biografias – Foto Guilherme Silva/ Divulgação

 

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Depois de quatro dias de debates empolgantes sobre a carpintaria biográfica, os autores brasileiros que participaram da programação literária do Festival de Biografias divulgaram neste domingo um manifesto de repúdio à censura. A íntegra está abaixo.

O blogueiro volta à ativa com este post. Nos últimos dias, dediquei-me integralmente ao festival promovido em Fortaleza. Fui o curador do segmento literário (não ficção biográfica) e um dos signatários do manifesto.

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Carta de Fortaleza

Os biógrafos reunidos no 1º Festival de Biografias, em Fortaleza, vêm a público manifestar apoio irrestrito à Ação Direta de Inconstitucionalidade dos artigos 20 e 21 da Lei 10.406/2002 (Código Civil), ajuizada no Supremo Tribunal Federal pela Associação Nacional dos Editores de Livros, e ao projeto de lei 393/2011, de autoria do deputado federal Newton Lima. As duas bem-vindas iniciativas pretendem abolir a censura prévia imposta a biografias e demais manifestações culturais, acadêmicas e jornalísticas.

A necessidade de autorização prévia converteu-se no Brasil em constrangimento e impedimento à produção não apenas de biografias, mas de qualquer trabalho de não ficção que trate de política, artes, esportes e outros aspectos da vida nacional.

Esse instrumento de censura _os artigos 20 e 21 do Código Civil_ já retirou de circulação ou ergueu obstáculos à difusão de livros, filmes, canções, teses acadêmicas, programas de televisão e obras diversas. São atingidos historiadores, documentaristas, ensaístas e pesquisadores de modo geral, além do jornalismo e, sobretudo, a sociedade brasileira.

A legislação em vigor transformou nosso país na única grande democracia do planeta a consagrar a censura prévia, em evidente afronta aos princípios de liberdade de expressão e direito à informação conquistados com a Constituição Cidadã de 1988.

Alguém já disse que, antes de virar a página da história, é preciso lê-la. Para ler, pesquisar e narrar, a liberdade é imprescindível.

Nós, que vivemos sob a censura imposta pela ditadura instaurada em 1964, recusamo-nos a aceitar agora formas de cerceamento da livre manifestação de ideias e relatos históricos. O conhecimento da própria história é um direito dos brasileiros.

Confiamos no espírito democrático e republicano dos congressistas do Brasil e dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Fortaleza, 17 de novembro de 2013

Fernando Morais

Guilherme Fiuza

Humberto Werneck

João Máximo

Josélia Aguiar

Lira Neto

Lucas Figueiredo

Luiz Fernando Vianna

Mário Magalhães

Paulo César de Araújo

Regina Zappa

Ruy Castro


Fernando Morais e Paulo Cesar de Araújo abrem amanhã Festival de Biografias
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Mário Magalhães

blog - fernando morais

Fernando Morais, biógrafo – Foto Letícia Moreira/Folhapress

blog - paulo cesar de araujo

Paulo Cesar de Araújo, biógrafo – Foto Adriana de Barros/UOL

 

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Está chegando a hora: Fernando Morais (debatedor) e Paulo Cesar de Araújo (mediador) abrem amanhã em Fortaleza, em grande estilo, o Festival de Biografias. A partir das 16h, numa tenda na Praia de Iracema, com ingresso gratuito.

Fernando é biógrafo de personagens como Olga Benario, Assis Chateaubriand, Brigadeiro Montenegro e Paulo Coelho.

Paulo Cesar contou a vida de Roberto Carlos, no livro… vocês sabem.

Ao lado da dupla da abertura, o festival reunirá outros biógrafos consagrados ou em vias de estrear em biografias: Guilherme Fiuza, Humberto Werneck, João Máximo, Josélia Aguiar, Lira Neto, Luiz Fernando Vianna, Lucas Figueiredo, Regina Zappa e Ruy Castro.

Onze ao todo, uma seleção. O curador da programação literária sou eu (haverá também música, cinema e artes visuais, tudo no espírito do mote “histórias de vida”).

A agenda do segmento literário, entendido como não ficção biográfica, está aqui.

Até amanhã à tarde, em Fortaleza!


Lançamento hoje: 2ª edição do jornal ‘O Cicero’, especial álcool e boemia
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Mário Magalhães

blog - o cicero convite

 

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O jornal traz também o antipersonagem Carlos Marighella _o guerrilheiro era abstêmio.

Eis o texto do convite, veiculado pelo Facebook, para o lançamento de hoje à noite em São Paulo:

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chegou a segunda edição do jornal OcicerO, que depois de estrear com um especial sobre o centro de são paulo, agora fala de álcool, boemia, cachaça, birita, trago e a relação da sociedade com qualquer que seja o nome que você chama um bom goró.

literatura, política, economia, arte, futebol, música, cinema e crônicas do dia a dia feitos por:

(texto) bruno graziano, bruno sobrante, denise godinho, hugo moura, lucas borges, luciano costa, marcelo montoza, matheus trunk, paulo silva jr, rafael nardini, raphael sanz, ricardo casarin, rita barros

(ilustração e fotografia) bruno graziano, breno ferreira, guilherme horta, gustavo gialuca, heloísa flemming, jorge maia, rodrigo erib

o lançamento é na terça-feira, 12/11, às 19h30, na Mercearia São Pedro – rua Rodésia, 34, em São Paulo, perto do metrô Vila Madalena.

e o jornal custa só dois reais.


#Biografias: proposta de advogado de Roberto Carlos eterniza censura
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Mário Magalhães

O maior ídolo da música brasileira em todos os tempos dispensa apresentação

O maior ídolo da música brasileira em todos os tempos dispensa apresentação

 

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Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado de Roberto Carlos, deu à “Folha de S. Paulo” entrevista sobre biografias (leia aqui).

A despeito de malabarismos retóricos, Kakay confirma a impressão de que, no mérito, não houve recuo algum do seu cliente na controvérsia sobre biografias. O rei continua empenhado no Congresso e no STF em impedir que o Brasil deixe de ser a única grande democracia a censurar biografias não laudatórias.

Para não roubar mais tempo dos generosos leitores do blog, trato somente de dois aspectos das declarações de Kakay, as sugestões de que informações relativas à saúde e à família sejam vetadas em biografias não autorizadas.

Ele afirmou: “Se na lei [que tramita na Câmara] fica constando só o direito da informação, de certa forma isso induz o julgador a colocar o direito de informação em um patamar maior do que o da intimidade. Existe uma legislação francesa que diz o que é o direito de intimidade, não de forma taxativa, porque é impossível, mas faz uma pequena descrição: direito à saúde, às amizades, direito familiar”.

Mais: “Aí é caso a caso. O direito não é uma ciência exata. A interpretação posterior vai depender da sociedade, da maturidade como a sociedade vai reagir. Mas tudo tem uma reserva de intimidade, não é preciso que ninguém saiba como é o dia a dia da minha vida, com minha mulher, meus filhos”.

Levando ao pé da letra a primeira proposta, biografias do último ditador do regime instaurado em 1964, João Batista Figueiredo, deveriam calar sobre os problemas cardíacos que acometeram o general durante a passagem pelo Planalto. Idem em relação a Tancredo Neves, que não assumiu a Presidência devido a um tumor. Eu teria de retirar da biografia “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo” as informações sobre os graves distúrbios de coração que o presidente João Goulart manifestava já antes do golpe. Que retrato honesto do grande cantor Nelson Gonçalves poderia ser feito esquecendo a cocaína?

No caso de Roberto Carlos, como entender sua obra, sobretudo algumas canções, omitindo o acidente que lhe ceifou parte de uma perna? A passagem é tão importante que já foi abordada pela imprensa mais de uma vez. Sabe por quem? Pelo próprio rei!

Na prática, a segunda pregação do advogado jogaria às fogueiras os três livros premiados com o Jabuti 2013 na categoria biografia. Além de “Marighella”, uma obra da historiadora Mary Del Priore, “A carne e o sangue”, e “Getúlio”, de Lira Neto. Os três abordam as relações de Carlos Marighella, D. Pedro I e Getúlio Vargas com suas mulheres e outros amores.

Sem falar no casamento de Fernando Collor de Mello com Rosane Malta. O vínculo entre os dois e suas crises influenciaram a vida dos cidadãos. Portanto, há legitimidade histórica e jornalística em relatar os fatos.

Não custa enfatizar que a lei vigora (ou deveria vigorar) para todos os brasileiros, e não exclusivamente para castas.

O que Almeida Castro propõe é eternizar a censura.


#Biografias: ‘A vida dos outros e as nossas’, por André Iki Siqueira
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Mário Magalhães

blog - livro saldanha vale este

 

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Autor da ótima biografia “João Saldanha: uma vida em jogo”, o jornalista André Iki Siqueira escreveu sobre biografias e censura. A artigo “A vida dos outros e as nossas” pode ler lido no blog do biógrafo (aqui). E abaixo, na íntegra.

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Afinal, a gente pode ou não pode falar da vida dos outros?

Tenho acompanhado diariamente a grande polêmica sobre as biografias, censura, privacidade e direitos. As divergências estão bem nítidas entre os que defendem a liberdade dos escritores e quem veta ou restringe. Todos os argumentos estão na mesa e os ministros vão bater o martelo. Entendo a posição dos que sempre lutaram pela democracia e querem preservar as intimidades e suas famílias. E acho que não merecem patrulhamento. É diferente do grupo de parlamentares que obstruem as biografias apenas com a intenção de esconder suas conspirações, corrupção e crimes. Eu subscrevi o manifesto dos escritores e quero dar minha contribuição. O tema ganhou espaço na imprensa e chegou aos botequins, onde muito se fala da vida de todo mundo em calorosos debates, que muitas vezes terminam mal.

Nos veículos de comunicação, todos os dias, a vida dos homens públicos é exposta e qualquer biografia pode ser arranhada definitivamente. Não é necessário pedir autorização aos atacados ou às suas famílias. Claro, existe liberdade de imprensa e há regras, muitas até discutíveis. Nenhum compositor pede autorização para usar o nome de um personagem numa de suas canções. As escolas de samba também têm liberdade para fazer e comercializar o seu carnaval sobre uma personalidade, transmitindo por televisão para todo o planeta. Grandes sambas-enredos biográficos passaram na avenida.

Quando decidi pesquisar a vida de João Saldanha para posteriormente escrever sua biografia (“João Saldanha, uma vida em jogo”, Companhia Editora Nacional) e dirigir um documentário sobre a fera (“João Saldanha”, na “Tv Zero”), quis reconstruir a trajetória de um personagem que ficara com fama de mitômano e bêbado, por conta de vários comentários em redações, bares e até em livros. Eu tinha o desafio de provar o contrário e estabelecer a verdade ou comprovar que João, meu ídolo e referência no futebol, desde criança, era realmente o que se falara antes. Não era. A pesquisa revelou que Saldanha foi muito mais do que todos sabiam. Antes de ser o técnico que montou a seleção brasileira campeão de 1970 e virar o comentarista que o Brasil inteiro consagrou, João havia participado ativamente de todas as lutas políticas por um país democrático e livre. A sua história cruzava com a nossa história.

Meu primeiro movimento foi procurar a família de João, pedir a autorização e convidar seus parentes para participar do projeto. A família Saldanha é um exemplo que merece homenagens. Nunca me pediram nada e só conheceram o livro e o filme nos dias de seus lançamentos. O que fiz, por decisão da editora, foi enviar para cada entrevistado apenas os trechos que continham suas declarações e solicitar a aprovação e autorização para publicar. O documentário só foi visto pela família na estreia, durante o festival “É Tudo Verdade”. Mas sei que o comportamento dos Saldanha é uma raridade no nosso meio.

Fico feliz com a posição do ministro da Justiça José Eduardo Cardozo a favor da liberdade dos biógrafos, mas aqui vai uma dica para o governo. Quando quis andar com meu segundo projeto de documentário biográfico, esbarrei numa exigência da Ancine: a autorização dos herdeiros do personagem. E parei. O Estado facilita a censura prévia. É preciso rever e mudar. Se fosse nos EUA, Michael Moore não teria produzido quase nenhum de seus filmes, como “Tiros em Columbine”, onde o diretor apresenta imagens e acusa o ator Charlton Heston, que certamente não daria autorização para o uso.

No tempo da internet, não há mais como segurar a difusão de uma obra. Vai proibir na livraria, mas o texto estará na rede, mascarado ou não, com título alterado e capa fake. As biografias virais.

Vou continuar escrevendo biografias e dirigindo documentários sobre personalidades que fazem parte das nossas vidas. É a vida dos outros dentro das nossas, é História. Escrever com responsabilidade, respeito e sempre verdadeiro. As biografias “difamatórias” são uma exceção e a Justiça é o caminho para reparação e punição aos erros, difamações e ofensas. Mas escrever sempre com liberdade. A mesma liberdade que garante ao entrevistado de um jornal, revista, rádio ou tv, denegrir a imagem de quem quer que seja, principalmente se for um ídolo nacional e reconhecido internacionalmente. Basta uma linha, uma palavra para se queimar em definitivo um personagem.

E depois de tudo que li, ouso dizer que os gênios também erram.