No STF, defesa da censura acaba nas mãos de viúvas do escravagismo
Mário Magalhães
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Acabou tudo claro, na audiência pública de hoje do Supremo Tribunal Federal sobre biografias não autorizadas: a defesa da censura, ou da manutenção dos artigos 20 e 21 do Código Civil como têm sido interpretados, ficou nas mãos de uma associação de viúvas do escravagismo.
Isso mesmo, por mais inacreditável que pareça: o representante da Antiga e Iluminada Sociedade Banksiana (Associação Eduardo Banks) roubou a cena. O Supremo identificou-o como Ralph Anzolin Lichote.
Como informou a repórter Juliana Gragnani na ''Folha de S. Paulo'', a Associação Eduardo Banks, ''em 2010, propôs uma alteração à Lei Áurea, de 1888, com o objetivo de indenizar descendentes de proprietários de escravos'' (edição de 20 de novembro de 2013). Além de serem raivosos opositores da união homoafetiva etc. e tal.
Ao discursar, o sr. Lichote afirmou que ''o pedido de autorização [para biografias] é a coisa mais comum numa sociedade democrática''. Não mencionou um só exemplo de nação. Motivo: não existe.
Comparou a edição de uma biografia ao ato de ''abrir um comércio''. Isto é, o biógrafo deveria solicitar autorização ao biografado como um comerciante pede licença dos Bombeiros para instalar um botequim.
Em atentado ao bom senso, declarou: ''Não podemos fazer a vida das pessoas virar a boate Kiss''. De acordo com seus preceitos, seria proibido citar em livro ou outra plataforma o nome das autoridades negligentes no trágico e criminoso episódio, caso elas considerassem ser atingida sua ''boa fama'', para empregar a letra da lei autoritária.
Para quem considerava o falecido Comando de Caça aos Comunistas e a eterna Tradição, Família e Propriedade o suprassumo do espírito intolerante e fascistoide no Brasil, a Associação Eduardo Banks surpreendeu e excedeu. O sr. Lichote chegou a criticar a ministra Maria do Rosário pelo episódio de investigação da morte do presidente João Goulart.
A agressividade do porta-voz dos saudosos da escravidão foi tamanha que ele criticou a Associação Nacional dos Editores de Livros como entidade formada com ''jeitinho carioca'' e como ''grupo de uma garagem''.
O orador falou em ''cidadões'' (sic), ''derturparda'' (sic) e ''própio'' (sic).
Nada que se compare à confidência: ''Gosto de Roberto Carlos por osmose, porque meu pai ouvia''.
Gosto é gosto: para mim, RC é um gênio da música, como concorda seu biógrafo proibido, Paulo Cesar de Araújo.
Eu imaginava que as viúvas da ditadura eram o que de mais obscuro existia no país. Tem pior, gente com a cabeça igual às piores cabeças do século XIX. Mentes e vozes das trevas.
Estou contra eles. Para minha tristeza, ídolos meus estão a favor.
CORREÇÃO, em 27 de julho de 2017: no post original, estava errada a informação, baseada em reportagem de 2013, sobre a autoria da proposta de indenização a descendentes de proprietários de escravos. A autora era a Associação Eduardo Banks, e não o cidadão Eduardo Banks. A informação correta está na edição do jornal ''O Globo'' de 24 de abril de 2010, página 3, em notícia intitulada ''Na Câmara, uma proposta para mudar a Lei Áurea''. Um trecho afirma que, ''em meio ao debate [na Comissão de Participação Legislativa da Câmara], chamou atenção a argumentação usada pelos autores do projeto: a Associação Eduardo Banks, com sede no Rio. Assinada pelo presidente da associação, Waldemar Annunciação Borges de Medeiros, a sugestão mantém a extinção da escravidão, mas inclui o direito de indenização aos proprietários, seus descendentes ou sucessores''. Para ler a íntegra da notícia, basta clicar aqui (edição digital, para assinantes).