Ridícula não é a pergunta do repórter, mas a reação intolerante de Felipão
Mário Magalhães
( O blog agora está no Facebook e no Twitter )
Como se fosse um piá dando um chilique porque a mãe colocou rabanete na salada, Luís Felipe Scolari teve um faniquito ontem em entrevista coletiva, ao ser indagado sobre o caso Diego Costa. O atacante do Atlético de Madri, nascido em Sergipe, preferiu vestir a camisa da seleção espanhola, em vez da brasileira. Contrariou Felipão, que o chamara para amistosos.
Na introdução à pergunta que faria, o repórter Sérgio Rangel, da “Folha de S. Paulo”, mencionou o anúncio do técnico na antevéspera, cancelando a convocação de Diego. “Você ficou muito irritado”, disse o jornalista.
Scolari não reagiu, até Rangel avançar: “E você foi treinador da seleção de Portugal…”.
Só então Felipão chiou, como se vê no vídeo acima (para assistir, basta clicar na imagem): “Eu fiquei irritado?”. “Não coloquem palavras na minha boca.” “Não podem julgar a minha imagem. Têm que julgar as minhas palavras.”
Rangel prosseguiu: “Você foi treinador da seleção portuguesa, e o Parreira foi treinador de outras seleções… Qual é a diferença entre o caso dele e o caso de vocês?”
O entrevistado estrilou: “Não faça uma pergunta ridícula que vai ser meia (sic) chata. É uma desconexão total sobre o que tu tá perguntando”.
Com serenidade, o repórter insistiu, e o técnico declarou, sem explicar: “Eu vou te responder daqui a uns quatro, cinco anos”.
Alongando o piti, Scolari ameaçou terminar a entrevista e reiterou: “É ridícula”.
Não é o mais importante, mas registro: ao qualificar o técnico como “irritado” ao desconvocar Diego Costa, Sérgio Rangel foi fiel à imagem e às palavras de Felipão. O treinador afirmara, no vídeo veiculado no site da CBF: “Tratando-se de um atleta brasileiro, que não deseja jogar pelo seu país, numa Copa que será realizada no seu país, esse atleta está desconvocado automaticamente”.
O anúncio da terça-feira demonstrara irritação. Alguma dúvida? Basta assistir aqui.
O que se destaca no episódio de ontem é a intolerância de Scolari com qualquer atitude que não seja a bajulação a que se habituou, ainda mais depois do seu excelente trabalho na conquista do penta, em 2002, e da bem-sucedida passagem pela seleção portuguesa.
Acontece que nem todos os jornalistas são sabujos dos poderosos, no caso, do futebol. A pergunta era não apenas legítima, mas pertinente. Como Scolari trata Diego Costa como um traidor _é o que está implícito na menção repetida ao “seu país”_, se ele mesmo dirigiu Portugal em Copa do Mundo na qual o time canarinho competia e transformou em jogadores da seleção portuguesa dois atletas nascidos no Brasil?
Seu argumento de que Deco e Pepe não haviam jogado antes pela seleção brasileira é pueril, mas coberto de legitimidade. Nem por isso Sérgio Rangel carimba a desculpa como “ridícula”.
Se Felipão é fã do falecido Augusto Pinochet, problema dele. Mas o técnico da seleção brasileira não tem o direito de agir de modo intolerante como ontem.
O repórter não pergunta porque obrigatoriamente tem alguma curiosidade própria, mas para informar os leitores (e espectadores, ouvintes, internautas). Este é o seu ofício.
É também direito de Felipão preferir que o adulem. Mas constitui seu dever respeitar quem rejeita o servilismo e pratica jornalismo, não entretenimento.
Deve saber igualmente que é direito de todos os cidadãos, inclusive jornalistas, interpretar manifestações alheias. Mesmo que Scolari não se considerasse irritado com a opção de Diego Costa _mas estava_, um repórter tem o direito constitucional de expressar opinião contrária.
É inacreditável que em pleno século XXI ainda seja necessário bater nas mesmas teclas civilizatórias, ainda estranhas a redutos primitivos, intolerantes e autoritários do país.
Espero que a ira de Scolari contra o repórter da “Folha” nada tenha a ver com o costume saudável do jornalista de investigar falcatruas na CBF, tanto na gestão anterior quanto na que lhe deu continuidade. Sérgio Rangel integra a equipe vencedora em 2012 da principal categoria do mais tradicional prêmio jornalístico do país, o Esso. As reportagens premiadas desvendaram jogadas de Ricardo Teixeira.
No mais, continuo com o prognóstico para o Mundial elaborado ainda antes da Copa das Confederações. Está aqui.