Blog do Mario Magalhaes

Afasta de mim esse cale-se (8): Obscurantismo, por Luiz Fernando Vianna

Mário Magalhães

Este é um dos livros de Luiz Fernando Vianna

 

( O blog agora está no Facebook e no Twitter )

Autor de livros que narram a vida de Aldir Blanc, João Nogueira e Zeca Pagodinho, o jornalista Luiz Fernando Vianna escreveu a respeito da controvérsia sobre biografias.

Seu artigo saiu no site do Instituto Moreira Salles (aqui) e pode ser lido abaixo. Luiz Fernando é coordenador de internet do IMS.

*

‘Procure saber’ o que é censura e obscurantismo

Em nota enviada ao jornal O Globo na semana passada, Djavan apresentou ideias tão nebulosas quanto suas letras. Ou não, poderia dizer, à sua maneira, Caetano Veloso, colega de Djavan no Procure Saber, o movimento que, como dizem as colunas de notas dos grandes jornais, reúne a nata da MPB. A aparente confusão talvez apenas mascare um apreço decidido pelo obscurantismo. O assunto é a necessidade de os biografados (ou seus herdeiros) autorizarem as biografias sobre si mesmos, algo previsto no Código Civil e que os editores de livros estão tentando derrubar.

A nota começa assim: “A liberdade de expressão, sob qualquer circunstância, precisa ser preservada. Ponto. No entanto…”

Se é “sob qualquer circunstância”, como pode haver “no entanto”? O “ponto” de Djavan deveria ser de interrogação.

Continuando: “No entanto, sobre tais biografias, do modo como é hoje, ela, a liberdade de expressão, corre o risco de acolher uma injustiça, a (sic) medida em (sic) que privilegia o mercado em detrimento do indivíduo; editores e biógrafos ganham fortunas enquanto aos biografados resta o ônus do sofrimento e da indignação”.

Djavan está convidado a citar um, apenas um biógrafo que tenha ficado rico no Brasil escrevendo biografias valendo-se de expedientes sensacionalistas. Basta um.

(O mais importante livro sobre um personagem da música brasileira, Noel Rosa – Uma biografia, ficou muitos anos impedido de circular por objeção da família. Alguém diria que é um livro sensacionalista? E posso garantir, por conhecê-los, que os autores, João Máximo e Carlos Didier, não enriqueceram.)

Em seguida, ele diz: “Nos países desenvolvidos, você pode abrir um processo. No Brasil também, com uma enorme diferença: nós não somos um país desenvolvido”.

Acertou em cheio. Se fôssemos um país desenvolvido, o juiz a quem cabia decidir sobre a ação movida por Roberto Carlos contra seu biógrafo Paulo Cesar de Araújo não teria pedido autógrafo ao Rei durante a sessão. Se fôssemos um país desenvolvido, a editora que publicou o livro não teria sido covarde e feito um acordo com o cantor – contra o seu autor e seu próprio patrimônio. Se fôssemos um país desenvolvido, Roberto Carlos não teria o direito de receber todos os exemplares e dar a eles o destino que lhe aprouver, inclusive queimá-los à maneira nazista.

Mais Djavan: “A sugestão de se estabelecer um percentual oriundo desse produto destinado ao biografado me parece razoável, mesmo acreditando que ninguém queira ver sua vida exposta publicamente de maneira predatória por dinheiro”.

Ou seja, se rolar um 10%, os artistas podem pensar em fazer negócio, ainda que não satisfeitos com as biografias. É capaz de o “ônus do sofrimento e da indignação” render um bônus. Mediante pagamento, a liberdade de expressão pode ser preservada.

Por fim: “Essa medida, de certo modo, desmotivaria a edição desenfreada dessas biografias e nos lembraria a todos que ter direitos implica ter deveres também”.

Mas, se esses livros rendem mesmo fortunas aos autores e editores, o que custa pagar 10% ao biografado e ter o caminho livre? É jogo. E o que ele chama de “edição desenfreada”? Que onda é essa que ele enxerga e que não desagua nas livrarias? Salvo Roberto Carlos, nenhum prócer do Procure Saber foi até hoje alvo de uma biografia não autorizada. E, sim, ter direitos implica ter deveres, mas não necessariamente o de ficar calado.

Todo esse zum de besouro seria esquecível se não estivesse sendo propagandeado que a tal “nata da MPB” comunga das mesmas ideias. Na reportagem da Folha de S. Paulo publicada no último sábado, apenas a assessoria de Gilberto Gil confirmou o apoio.

Pois não foi Gil que, quando ministro da Cultura, queria flexibilizar os direitos autorais em nome da democratização da música e da circulação de informações? Será que agora ele quer flexibilizar os direitos de jornalistas e escritores para que só circulem informações que o satisfaçam?

Ao lado de Gil, Caetano Veloso foi preso pela ditadura militar e exilado. Sempre se orgulhou, com razão, de ser um libertário que resolvia as pendengas na arena pública. Será que agora vai se esconder sob as saias da empresária e ex-mulher Paula Lavigne e se calar? Ou vai, de fato, dizer que endossa as frases de Djavan? Logo ele, tão cioso do bom português e que, se a memória não falha, já se opôs à decisão de Roberto Carlos de proibir o livro de Paulo Cesar de Araújo.

Quanto a Chico Buarque, possivelmente o mais censurado dos compositores sob a ditadura, apenas se ele vier a público afirmar que apoia essa causa é que isto será fato. Por enquanto, só é possível crer que estão usando o nome dele em vão.

Em artigo disponível na página do Procure Saber no Facebook, Paula Lavigne escreve: “Longe do que vem sendo divulgado, a Associação Procure Saber, entidade representativa dos artistas que buscam estudar, entender e esclarecer assuntos de interesse da classe artística e da população em geral, não defende a censura ou a diminuição da liberdade de informação e pensamento; o que a Procure Saber deseja é apresentar uma alternativa que atenda aos escritores mas não crie uma situação de exploração da obra e da vida alheia sem a remuneração correspondente e sem que a vida privada e a intimidade do biografado sejam violados”.

Mais uma vez, ressalta-se que é preciso pagar para escrever o que se quer. E olha que quem “privilegia o mercado” são os autores e as editoras… Além do mais, quem vai delimitar o ponto exato onde acaba o interesse público e começa a suposta invasão da vida privada? O juiz que pede autógrafo ao cantor? O artista, separando o que quer e o que não quer que se diga dele? Em bom português – aquilo que inexiste no texto de Djavan – os nomes disso são censura e obscurantismo.

Aproveitando, Paula Lavigne: deixe “a população em geral” em paz. Continue alimentando de notas as colunas de jornal e fazendo seus negócios, mas não advogue em nome de quem não está pedindo. E estude a possibilidade de contratar um bom jornalista para redigir os textos do Procure Saber.

Luiz Fernando Vianna é coordenador de internet do IMS.