Blog do Mario Magalhaes

MP quer julgar Marina no lugar dos eleitores (ou o espírito do golpismo)

Mário Magalhães

Marina Silva em 2010, quando concorreu ao Planalto – Foto Flavio Florido/UOL

 

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Carrega notável mérito o parecer do Ministério Público recomendando que o Tribunal Superior Eleitoral recuse o registro da Rede Sustentabilidade, o partido da ex-senadora Marina Silva.

A virtude do documento firmado pelo vice-procurador-geral eleitoral (ufa!), Eugênio de Aragão, não é a opinião que emite contra o novo agrupamento, mas a passagem em que escancara o que ambiciona: subtrair dos eleitores o direito de julgar Marina e a Rede, por um motivo insólito _ambos já foram julgados, pelo Ministério Público Eleitoral.

Exagero? Eis uma passagem da sugestão do MP: “Criar o partido com vistas, apenas, a determinado escrutínio é atitude que o amesquinha, o diminui aos olhos dos eleitores”.

Quem garante? Quem lhe deu mandato para proferir tal disparate? A formação de partidos para concorrer em eleições constitui tradição democrática em todos os territórios do planeta onde vigora a democracia. O que diminui siglas partidárias “aos olhos dos eleitores” é sua gestação com finalidade de toma-lá-dá-cá, de levar vantagem em tudo, um dinheirinho aqui, outro carguinho ali.

É um insulto à ex-senadora e ex-ministra afirmar que a agremiação surge com o único propósito de lançá-la ao Planalto em 2014. Como o procurador pode assegurar que a Rede não apresenta plataforma com aspirações legítimas de influir no Brasil contemporâneo? Cabe a ele dar pitaco? O procurador Aragão confunde seu juízo de cidadão com a sobriedade exigida como membro do Ministério Público.

São exigidas 492 mil assinaturas para legalizar um partido. A poucos dias do prazo derradeiro, até ontem faltavam 49.476 para a Rede. Seus organizadores, no entanto, entregaram aos cartórios mais de 90 mil firmas que foram recusadas sem explicação. Recusaram porque assim decidiram, e pronto. Com o agravante de que em localidades com forças políticas hostis a Marina as negativas se mostraram acima da média.

O procurador pontificou: “Não seria razoável cobrar dos cartórios eleitorais discriminação individualizada sobre o porquê de cada uma dessas 98 mil assinaturas não terem sido reconhecidas e contabilizadas. Provar a autenticidade das assinaturas é ônus do partido e não dos cartórios”.

O argumento é aberrante, porque a lei não permite que o partido autentique assinaturas. Se não se cobra dos cartórios, cobra-se de quem? A seguir esse raciocínio, 100 milhões de eleitores podem desovar suas rubricas nos cartórios. Se os burocratas não as carimbarem, digamos, porque não gostam de lua cheia, ficaria por isso mesmo. Se “não é razoável” cobrar os cartórios, é razoável cobrar quem?

A Rede reuniu as assinaturas necessárias. Não pode ser culpada se os cartórios não cumpriram sua atribuição. Os cartórios não podem decidir em nome da Justiça e dos eleitores.

O lobby contra a Rede agrega de oportunistas habituais a ressentidos e intolerantes, todos com interesses no pleito do ano que vem. É um direito democrático dos milhões de eleitores de Marina sufragarem seu nome e seu partido.

O que não pode é o Ministério Público e a Justiça Eleitoral substituírem o sufrágio popular. Seria um atentado à democracia barrar a Rede e Marina.

O problema não é a existência de muitos partidos, e sim segmentos políticos que pensam muito diferente estarem abrigados em sacos de gatos partidários. Quem gostava de bipartidarismo era a ditadura.

O que deve acabar é o Fundo Partidário. Cabe aos partidos serem sustentados por seus filiados e apoiadores, não pelos contribuintes.

No que me toca, Marina Silva não entusiasma, por dois motivos. Sua orientação de acochambrar interesses sociais antagônicos só serve para preservar a desigualdade pornográfica no país. E suas crenças religiosas ameaçam provocar retrocessos ou dificultar avanços em muitos aspectos da vida nacional.

Essas convicções não me impedem de considerar que proibir os cidadãos de manifestar suas predileções fulmina a democracia, em vez de revigorá-la.

Se golpismo configura o empenho em sufocar a expressão popular, o veto à Rede consagra o espírito golpista.