Carga pesada: a história anda de caminhão
Mário Magalhães
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Em Diamantina
A vida desse caminhão-museu é andar por esse país, guardando _e contando_ a recordação das lutas sociais pela terra. É uma dessas ideias inspiradas que desatam a curiosidade: por que ninguém a teve antes?
Como um transformer, o caminhão Iveco Tector virou uma exposição itinerante empenhada em reconstituir a batalha por um lugar para viver e trabalhar desde que a frota do Cabral fundeou em mares baianos. Dos índios aos contemporâneos do Chico Mendes, cujo assassinato está na bica de completar um quarto de século.
Ao percorrer as estradas, desfilando seu amarelo-cheguei, funciona compacto, mão fechada. Ao se instalar nas cidades, os dedos se abrem, e cidadãos que jamais tiveram a oportunidade de pisar num museu se deparam com um complexo high-tech.
Do lado esquerdo, painéis evocam figuras vinculadas às contendas agrárias, do Visconde do Uruguai e Euclides da Cunha a Leonel Brizola e Elizabeth Teixeira. Subindo a escada, encontra-se uma biblioteca de meio milhar de volumes, boa parte de livros de arte, povoada de mesas e cadeiras. Telas de computadores, à disposição de quem quiser, exibem as trajetórias de personagens e recapitulam épicos nacionais.
Do lado direito, imagens gigantes tratam de temas como arraial de Canudos e latifúndio. Os visitantes, que nada pagam pelo passeio no museu sobre rodas, tiram fotos com roupas típicas de cangaceiro, tropeiro e Chica da Silva _poucos querem se vestir de escravo.
Duas salas de vídeo passam filmes de curta metragem feitos para o projeto. O que reconta o massacre de Canudos, com rigor histórico e ritmo de tirar o fôlego, tem locução de Maria Bethânia. A saga indígena de 500 anos, de Letícia Sabatella. Outros artistas emprestam suas vozes, como Chico Buarque, Vera Holtz, Wagner Moura, Gilberto Gil, Regina Casé, Dira Paes e José Wilker. Todos trabalharam de graça.
Atrás do caminhão, montaram um karaokê. Há também um teatro. Os guias são estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais, instituição que teve de graduandos a doutorandos produzindo os textos que narram o passado.
O caminhão-museu foi batizado como Sentimentos da Terra. A curadoria é da historiadora Heloisa Starling e do artista visual Gringo Cardia. Idealizadora do projeto, Heloisa disse que ouviu uma recomendação do ex-presidente Lula: “Tem que fazer sucesso em Ipanema e na Raposa Serra do Sol”.
O Caminhão-Museu Sentimentos da Terra é uma parceria da UFMG com o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Ficou pronto em março e já fez nove turnês. Saiu por R$ 1,8 milhão, custo bem menor do que o de quase todos os museus em construção no Brasil.
No sábado, eu o conheci em Diamantina, cidade mineira que abriga o Festival de História. No mesmo grupo estava o historiador Kenneth Maxwell. Hoje o inglês dedicou sua coluna na “Folha de S. Paulo” ao caminhão. Com o título “Boas notícias”, ela pode ser lida clicando aqui.