Blog do Mario Magalhaes

F+F: dois sujeitos decentes

Mário Magalhães

Fábio Seixas (esq.) e Flavio Gomes – Foto Stephan de Penasse/ Site Grande Prêmio

 

( O blog agora está no Facebook e no Twitter )

Duvido muito que o mapa estivesse tão bem feito assim, e ainda mais que o _como diria o ministro Marco Aurélio Mello_ novato tenha chegado tão fácil, de primeira. Mas vale a leitura, tanto pela verve da dupla quanto pela integridade de caráter que as crônicas expressam.

O texto do Fábio Seixas saiu na “Folha”, como se lê clicando aqui.

A reposta do Flavio Gomes está no blog dele, neste link.

*

O mapa

Por Fábio Seixas

Na gaveta esquerda da minha antiga escrivaninha, na casa dos meus pais, repousa uma folha de papel cuidadosamente dobrada.

Papel de fax, quase ilegível. Afinal lá se vão 15 anos.

Um mapa. Ensinando minuciosamente o caminho desde o aeroporto de Frankfurt até a cidadezinha de Berg, ao lado de Nurburgring. Mapa que me guiou com perfeição, naquele 1998 sem celular nem GPS.

Dirigindo sozinho, de madrugada, na minha primeira vez na Alemanha, cheguei sem errar à casa em que se hospedava boa parte da imprensa brasileira que cobria a F-1.

Missão cumprida, trajeto feito, eu poderia ter amassado e jogado fora aquela folha de fax. Não sou de guardar coisas. Mas guardei o tal mapa. Memorabilia, peça do meu museu pessoal, a primeira vez numa corrida de F-1 fora do país –sei lá, achava que poderia ser a única.

Hoje percebo que a guardei por metáfora.

Porque aquele foi só o primeiro de um monte de mapas que recebi nos anos seguintes, generosidade rara e que parecia grande demais vinda de um sujeito tão tampinha. Eu mal sabia que era só o começo.

Foi o único mapa redigido, é verdade. Todos os outros foram transmitidos por meio de risadas, xingamentos, provocações, brincadeiras. Por conversas das mais rasas às mais profundas em viagens intermináveis mundo afora. Em carros, balsas, trens e corredores de aviões. E por trabalho duro, pesado, exaustivo.

Como quando da primeira vitória do Barrichello. Fomos os últimos jornalistas a sair do autódromo. As folhas de papel sobre a mesa estavam úmidas com um frio que só percebemos quando enviamos os últimos textos para nossos jornais.

Como no dia do acidente de Burti em Spa. Quando deixamos a pista, já não havia onde comer. Depois de muito procurar, encontramos um velho pote de Nutella no armário da casa onde estávamos. Cada um pegou sua colher e ali jantamos. Ah, o charme da F-1…

Como nas decisões de título. Como nos momentos de agito no mercado. Como nos dias absolutamente sem notícia.

Nós e os repórteres japoneses, quase sempre os últimos a sair da sala de imprensa.

(Isso para não falar nas peripécias que armávamos para levar o som ambiente das pistas para o rádio do Brasil.)

Procurei seguir cada um daqueles mapas. Tentar falar com naturalidade no rádio, tentar escrever sem amarras, tentar zombar e ser amigo de todos na sala de imprensa, tentar ser melhor jornalista, tentar ser melhor pessoa.

Um ídolo que virou amigo, professor, irmão.

Não, hoje não vou escrever de Raikkonen, Massa, Alonso, Nasr. Não. O assunto é mais importante.

Porque se você sabe quem são esses pilotos, se você ainda acompanha F-1, saiba que deve bastante a ele. Concorde ou não com suas posições sempre firmes.

O sujeito dos meus mapas.

O Jornalista, com J maiúsculo, que inaugurou este espaço na Folha, há 20 anos.

Obrigado, Flavio Gomes.

*

Sobre um certo mapa

Por Flavio Gomes

Coincidentemente, ontem a TV estava ligada quando o cara apareceu para comentar a contratação do Raikkonen, ou a demissão do Massa. Olha lá o cara na TV. Quando ele fez aquele primeiro boletim para a rádio, em Melbourne, eu trabalhando na outra emissora, pensei: essa merda não vai dar muito certo.

No terceiro ou quarto boletim, já tinha dado certo.

Foi quando? 1999? Três anos depois éramos os dois a rodar o mundo pela mesma rádio, a cada corrida um levava a mala de equipamento, aquele estorvo dos infernos, e eu sempre com o saco de cabos que, às quintas-feiras, deixavam as pessoas nas salas de imprensa malucas. Sobe na mesa, sobe na cadeira, estica um cabo aqui, conecta na TV lá, passa por cima da posição do sueco, prende com fita crepe, testa a porra toda, aumenta o volume, conecta direito, seu bosta, aperta o botão certo, seu merda, qual o número a cobrar daqui? 0800 08000 55. Esse é da Alemanha, imbecil. 0800 10 055. Esse é da Bélgica. Onde estamos, caralho? Áustria, anta. 0800 200 255.

Muitas vezes a gente não sabia direito mesmo onde estava. Ou, talvez, eu não soubesse, porque ele se guiava por um remoto mapa que recebeu por faxem 1998 e, surpreendentemente, dadas suas limitações, funcionou para que saísse da Vila Mariana e chegasse a Nürburgring, para nos encontrar numa pensão no meio do mato.

É bem provável que o tal mapa começasse mesmo na Vila Mariana, para que ele não errasse de aeroporto, o que já seria um bom começo. Pois esse mapa que o tempo está apagando era para chegar a Nürburgring, mas fez com que ele descobrisse o mundo inteiro.

Bem, só mesmo um completo retardado para escrever no maior jornal do país sobre um mapa na semana em que Massa sai da Ferrari. Para ele, eu sair da ESPN foi mais importante. Não vou falar aqui sobre minha saída do canal, é problema meu e não quero aborrecer ninguém com essa história.

Hoje, quando fazia o que faço todos os dias, o café, um iogurte grego (estou encantado com os iogurtes gregos, mas me disseram que não são novidade nenhuma, que existem desde os tempos de Platão, mas para mim são uma novidade completa, um programa de ajuda internacional à Grécia, a quem pagamos royalties para salvá-los da merda em que se meteram) e o jornal de papel estendido no balcão da cozinha, leio o texto do cara.

Eu e o Seixas temos dez anos de diferença. Eu poderia usar aqui aquelas coisas meio clichê como é o irmão mais novo que eu não tive, ou é como meu filho blá-blá-blá.

Mas seria mesmo um clichê.