Blog do Mario Magalhaes

Nixon e Médici: joint venture EUA-Brasil para derrubar Allende

Mário Magalhães

Pinochet (esq.) e Médici: amigos de fé, irmãos camaradas – Foto reprodução

 

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Certa historiografia pouco afeita aos valores democráticos reconstitui a história sustentando que a queda de Allende foi uma reação à radicalização do presidente e à deterioração da economia chilena.

Essa interpretação omite que a instabilidade econômica foi em boa parte causada por ações dos golpistas, inclusive dos Estados Unidos, sabotando no mercado internacional os produtos de exportação do país andino.

E sonega que, desde o início do mandato presidencial de Allende, em novembro de 1970, já se conspirava para derrubá-lo por meios antidemocráticos.

A ditadura que vigorava no Brasil desde 1964 participou da trama, como veio a comprovar farta documentação. Em dezembro de 1971, o ditador Emílio Garrastazu Médici tratou do assunto na Casa Branca, em conversa com o presidente Richard Nixon, contou esta reportagem de Fabiano Maisonnave:

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Médici e Nixon planejaram derrubar Allende

Em conversa com o colega americano Richard Nixon, o presidente Emílio Médici afirmou que ''estava trabalhando'' para derrubar o governo do socialista chileno Salvador Allende, revelam documentos liberados pelo Departamento de Estado dos EUA e compilados pelo instituto de pesquisa não governamental Arquivo Nacional de Segurança, aos quais a “Folha” teve acesso.

O encontro ocorreu no Salão Oval da Casa Branca, às 10h de 9 de dezembro de 1971. Do lado brasileiro, só Médici estava presente, deixando o Itamaraty de fora. Sem falar inglês, precisou da ajuda do general Vernon Walters, que tinha forte ligação com o Brasil -era o adido militar americano no golpe de 1964.

O outro participante foi o assessor de Segurança Nacional e futuro secretário de Estado Henry Kissinger, relator do encontro, revelado quase 38 anos depois. ''É fantástico ver que Médici tenha mantido conversas no mais alto nível sem se fazer acompanhar por ninguém'', diz o pesquisador Matias Spektor. ''A Casa Branca e o Médici acreditavam que o Itamaraty estava tentando frustrar a visita presidencial. Os diplomatas brasileiros não gostavam da ideia de tanta proximidade entre os presidentes.''

A visita de Médici ocorreu num momento em que o Brasil começava a ter uma política externa mais ativa, enquanto os EUA, embora preocupados com o avanço esquerdista na América Latina, estavam atolados na Guerra do Vietnã.

Anticomunistas convictos, os presidentes conversaram sobre ações para derrubar os regimes esquerdistas de Chile e Cuba e ''evitar novos Castros e Allendes'', como define Nixon.

Médici, quase dois anos antes do golpe de setembro de 1973 liderado pelo general Augusto Pinochet, prevê que Allende seria derrubado ''pelas mesmas razões'' que João Goulart.

A conversa também aborda a instabilidade boliviana. Médici diz que convenceu o ditador paraguaio Alfredo Stroessner (1954-1989) a vender a energia da futura usina de Itaipu aos bolivianos, sob o argumento de que, ''se a Bolívia não fosse ajudada, sem dúvida se tornaria comunista''. O pré-acordo nunca foi levado adiante.

Em outro momento, eles mostram preocupação com as gestões do Peru para a volta de Cuba à OEA (Organização dos Estados Americanos). É quando ocorre a única intervenção de Walters, que diz que o presidente esquerdista peruano, Juan Velasco Alvarado (1968-1975) tinha um filho com uma ex-miss ''muito de esquerda em suas opiniões e associações políticas'' e que isso lhe seria um problema caso saísse a público.

Para continuar falando sobre esses temas, Nixon propõe a criação de um ''canal'' de comunicação fora dos meios diplomáticos e diz que seu homem de confiança seria Kissinger.

Médici concorda e diz que confiava no seu chanceler, Mário Gibson Barbosa, que tinha um ''arquivo especial em que todos os itens eram manuscritos (…) de forma que nem os datilógrafos tinham conhecimento deles''.

Na avaliação do ex-embaixador do Brasil nos EUA Roberto Abdenur, a conversa ''não chega a ser uma surpresa''. ''O que os dois fizeram foi selar, no mais alto nível político, e em termos de organizada colaboração, algo em que ambos os lados já de há muito se vinham empenhando.''

(“Folha de S. Paulo”, 16 de agosto de 2009)