Ficha do Chile mostra parceria com ditadura brasileira
Mário Magalhães
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Uma troca de informações entre autoridades de segurança do Brasil e do Chile em 1977 mostra como funcionava, no ''varejo'', a colaboração de regimes militares da América do Sul na repressão a militantes de esquerda.
Depois de receber um informe dando conta de que uma exilada brasileira (Zuleika Alambert) havia sido identificada no Chile com um codinome (''Léa Gomes Benevides''), os brasileiros pediram ajuda aos colegas andinos para saber se os dois nomes se referiam à mesma pessoa.
Os chilenos mandaram uma ficha com as impressões digitais da militante, o que provavelmente permitiu ao Exército brasileiro confirmar a identidade -''Léa'' era de fato Zuleika.
O pedido de busca confidencial 794-77-A, emitido em 1º de agosto de 1977 pelo 1º Exército, no Rio, a pedido do CIE (Centro de Informações do Exército), pedia a comparação da ficha datiloscópica recolhida no Chile com alguma registrada no Brasil.
O DGIE (Departamento Geral de Investigações Especiais), a polícia política da ditadura no Rio à época, recebeu a solicitação dos militares -e respondeu não ter encontrado ficha de Zuleika.
O documento do 1º Exército foi achado pela “Folha” no Arquivo Público do Estado.
O golpe que levou o general Augusto Pinochet ao poder no Chile estava prestes a completar quatro anos e Zuleika Alembert já havia fugido.
Militante comunista, deputada estadual em São Paulo em 1947 pelo PCB, ela tinha chegado ao Chile no começo da década de 70. O país era então governado pelo socialista Salvador Allende. Centenas de exilados brasileiros moravam lá.
Ao se registrar, em 30 de dezembro de 1971, Zuleika usou um passaporte falso. Foi quando imprimiu as digitais. No dia do golpe, 11 de setembro de 1973, asilou-se na embaixada da Venezuela.
O modo de operação dos órgãos de informação dos dois países, num caso específico, como o da comunista brasileira, era a aplicação do convênio que reunia no ''atacado'' seis governos militares sul-americanos.
Em 1975, foi criada a Operação Condor, com a participação de Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia. Mesmo antes desse protocolo havia ação conjunta contra militantes de esquerda.
A Operação Condor voltou a ser discutida agora no Brasil após um juiz argentino pedir esclarecimentos sobre o sequestro de três militantes do seu país no Rio em 1980. Os três nunca apareceram.
No Chile, os brasileiros sofriam severa vigilância. Um mês depois da derrubada do governo Allende, a agência do SNI (Serviço Nacional de Informações) no Rio distribuiu um informe detalhado sobre os brasileiros que haviam se asilado na embaixada da Argentina em Santiago.
Entre eles, estavam o hoje deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), o deputado estadual fluminense Carlos Minc (PT) e o guerrilheiro José Lavechia.
O guerrilheiro iria desaparecer em 1974, ao tentar voltar para o Brasil na fronteira com o Paraguai. Documentos mostram que os militares brasileiros esperavam Lavechia e cinco companheiros, que também sumiram.
O caso de Zuleika Alembert terminou bem para ela -cinco brasileiros desapareceram no Chile, sete na Argentina e um na Bolívia-, graças à fuga de 1973.
''Já na véspera eu achava que iria haver o golpe'', disse à “Folha” Zuleika, hoje com 77 anos. ''Falei para o Ferreira Gullar (poeta, também ligado ao PCB): ‘Vou preparar tudo para cair fora. Eles vão bater aqui’. Larguei tudo dentro de casa''.
Ela se salvou na embaixada, fez um tratamento de rins na hoje extinta União Soviética e passou o resto do exílio em Paris.
Voltou para o Brasil em 1979. Atualmente, longe da militância partidária, diz só se interessar pelo movimento de mulheres.
(Mário Magalhães, “Folha de S. Paulo”, 05/06/2000; Zuleika Alambert nasceu em 1922 e morreu em 2012)