Blog do Mario Magalhaes

Arquivo : setembro 2013

‘Observação antropológica’, por Verissimo
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Mário Magalhães

Luis Fernando Verissimo, craque colorado – Foto Zanone Fraissat/Folhapress

 

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Luis Fernando Verissimo, no domingo.

*

(Da série “Poesia numa hora destas?!”)

(…)

OBSERVAÇÃO ANTROPOLÓGICA

Se agarram, rolam pelo chão, abraçados, e se beijam com fervor…

Ou foi gol, ou é amor.

(Para ler a coluna na íntegra, basta clicar aqui.)


Tucano carcando tucano: é só o reino animal
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Mário Magalhães

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Foto de Laizer Fishenfeld, na coluna do Ancelmo Gois, sábado em “O Globo”.

Ao contrário do que espalham intrigantes, a imagem foi feita no Jardim Botânico do Rio, e não em certa convenção partidária.

 


Por que o Bruce tocou Raul no Brasil? O Álvaro conta o segredo
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Mário Magalhães

 

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Os bastidores de uma conspiração criativa. Sábado, na “Folha”.

*

Dias de glória

Por Álvaro Pereira Júnior

E-mail bomba na segunda-feira de folga: “Álvaro, a gente se conheceu em Santiago, eu trabalho com o Bruce Springsteen. Alguma ideia de música brasileira para ele tocar aí? Sugeriram as canções tal e tal, mas o Bruce quer saber o que você acha”.

Primeira reação: é trote. Depois, uma conferida no domínio da remetente, fulana@jonlandau.net. Começou a ficar sério. Jon Landau, todo jornalista de música sabe, ou deveria saber, era o crítico da revista “Rolling Stone”, fama de implacável (a ponto de atacar “Are You Experienced?”, de Jimi Hendrix, quando o álbum saiu, em 1967), que um dia foi a um show de Bruce e escreveu o que talvez seja a resenha de rock mais famosa de todos os tempos: “Eu vi o futuro do rock e ele se chama Bruce Springsteen”.

Landau tornou-se guru/parceiro/produtor de Springsteen, simbiose que dura até hoje. Contra a possibilidade de trote, eu tinha esse histórico a meu favor: Bruce ouve jornalistas. Pelo menos alguns. Periga “The Boss” realmente estar me consultando.

Outra evidência favorável: dias antes, no Chile, eu tinha entrevistado Bruce para o “Fantástico”. Era para durar 15 minutos, mas ele mandou seguir. Falamos por meia hora.

Eu estava em terreno seguro. Tinha lido na viagem a Santiago quatro revistas “Uncut” e duas “Word” com edições especiais sobre ele. Também encarei boa parte da biografia “Bruce”, de Peter Ames Carlin. E, principalmente, devorei a excelente reportagem sobre o cantor que a “New Yorker” publicou em julho de 2012, assinada pelo próprio editor-chefe, David Remnick.

No Chile, a única entrevista exclusiva, além do “Fantástico”, foi para um argentino que vacilava no inglês e parecia não tomar banho desde antes de Bruce comprar sua primeira guitarra. Durou os cinco minutos previstos.

Assim, não sei se por eu ter levado a sério a missão, ou pelo simples contraste com o colega ensebado, o fato é que deu liga entre o “Show da Vida” e Springsteen.

De volta ao e-mail explosivo: eu precisava de um tempo para pensar. Escrevi que dali a algumas horas mandaria sugestões. Nenhuma resposta de volta. Seria mesmo trote?

Entra em cena um comparsa, o jornalista e amigo há 25 anos André Forastieri, com quem tinha uma cerveja marcada logo em seguida. “André, olha esse e-mail.”

Expliquei que tinha pensado em Legião Urbana, “Que País É Esse”, e “Inútil”, do Ultraje a Rigor. Não por amar nenhuma das duas, mas por achar que funcionariam para Bruce e trariam um conteúdo político do agrado dele. André lembrou que “Inútil” tinha sido tocada pelos Paralamas no primeiro Rock in Rio, de 1985, o que lhe dava um significado especial.

Mais uns segundos vasculhando arquivos mentais, até que Forasta disparou: “O Bruce tem de tocar Raul!”. Claro! Raul, um outcast, longe dos lobbies de gravadoras, do establishment da MPB, do rock de consenso, um nome de que ninguém mais se lembraria. Mas o quê? “Aluga-se?” Não. Imaginei a massa cantando o refrão de “Sociedade Alternativa”. Era isso.

(Para ler a coluna na íntegra, basta clicar aqui.)


‘Lavagem cerebral’, por Janio de Freitas
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Mário Magalhães

Janio de Freitas, em 2012, no programa “Roda Viva” – Foto reprodução

 

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Domingo, na “Folha”:

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Pressões e exceções

Por Janio de Freitas

O desabafo do ministro Celso de Mello, acusando “inaceitáveis pressões” dos meios de comunicação sobre ele, e a reação da Folha, que se sentiu injustiçada na generalização, tocam em dois problemas importantes nas relações entre o jornalismo e os leitores/ouvintes. Um, problema atual. O outro, permanente.

A dura reação da Folha (27.set), que em editorial apoiou a decisão do ministro por um recurso para determinados réus do mensalão, não é incompatível com a verdade subjacente nas duras palavras do ministro. É fácil comprová-la a cada dia, para quem lê mais de um jornal, ou ouve rádio e TV.

O jornalismo brasileiro atual volta a uma prática, em graus diferenciados segundo as numerosas publicações, que exigiu muito esforço em meados da minha geração profissional para reduzi-la até o limite do invencível. A opinião está deixando de restringir-se aos editoriais e aos comentaristas autorizados a opinar, sejam profissionais ou colaboradores. A objetividade possível do noticiário, que, entre outros efeitos, trouxe aos meios de comunicação maior respeito ao leitor/ouvinte e maior fidelidade aos fatos, sofre crescente infiltração de meras opiniões. Muitos títulos são como editoriais sintetizados, parecem mesmo, por sua constância, contarem com o amparo ou indiferença das orientações de edição.

Nesse sentido, ainda se não houvesse comentários com cobranças, explícitas ou transversais, a Celso de Mello em seu voto decisivo, o fundo de mensagem imposto ao leitor/ouvinte, na quase totalidade dos meios de comunicação mais relevantes, de fato foi na linha da percepção do ministro. E ficou ainda mais perceptível com essa peculiaridade brasileira que são as cadeias multimídias, em que as mesmas pessoas dizem e escrevem as mesmas coisas várias vezes por dia, em jornal, em diversos horários de rádio, idem em televisão. Lembra o princípio da lavagem cerebral. E, de quebra, há os respectivos blogs.

(Para ler a coluna na íntegra, basta clicar aqui.)


Um recado para a imprensa
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Mário Magalhães

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O correspondente Leandro Colon foi a Aylesbury,  nas cercanias de Londres, apurar uma reportagem sobre a alegada terrorista Viúva Branca (leia aqui). Fotografou o recado abaixo, do morador do sobrado onde a dita cuja viveu. Cansado do assédio dos repórteres, o cabra escreveu: “Foda-se (para a imprensa). Desculpe”.

 


Doce de leite do Vandeca: uma obra-prima mineira
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Mário Magalhães

Três dias depois, nada sobrava do doce soberbo

 

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Eu saía no sábado à noite para assistir à vesperata, tradicional serenata diamantinense em que os músicos tocam das sacadas dos sobrados centenários, e reparei alguém arrumando vidros numa prateleira da pousada.

Curioso que sou, cheguei mais perto, vi na penumbra que eram doces e peguei um. “Está quente”, surpreendi-me, e o funcionário apontou para a cozinha: o doce de leite acabara de sair da panela. Olhei pela porta e percebi o chef Vandeca em pé, mãos nos quartos e ares cansados.

No almoço, eu tinha desfrutado de um sublime frango ao molho pardo preparado por ele. Sem saber se há um nome consagrado para traduzir o prato, expliquei em inglês a um comensal norte-americano: é galinha no seu próprio sangue. Como o gringo fez cara de nojo, tripudiei ao lhe contar: a cada garfada eu me lembrava da avó que comprava o bicho vivo na feira e lhe passava a faca no pescoço, colhendo a matéria-prima do molho. À noite, reservei um doce de leite e um de limão.

Poucas semanas antes, comentara o contraste dos doces de leite argentinos e uruguaios com dois da primeira divisão de Minas. Os dos hermanos, como o Conaprole do Uruguai, são acentuadamente açucarados, densos e escuros. O do Xapuri, em Belo Horizonte, um dos melhores restaurantes do país, e o do Bolota, de Tiradentes, levam menos açúcar e são mais claros, mais sutis e menos enjoativos.

Todos magníficos, cada um com sua personalidade.

Na segunda-feira, abri aqui no Rio o recipiente da grife Delícias do Vandeca, como informa o rótulo. A guloseima remete às receitas do Xapuri e do Bolota. Como é produzida em baixíssima escala, em fogão de pousada, parece mais rústica, embora também clarinha e nada espessa. Delicada e deliciosa, das mais espetaculares que encarei em minha longeva trajetória de devorador de doces de leite. Não sei se é melhor do que os primos mineiros, mas não fica nada a dever. Uma obra-prima que eu não teria conhecido se um pessoal de boa vontade não tivesse me convidado para participar do Festival de História.

O doce do Vandeca acabou na quarta-feira. Na quinta, inaugurei a lata do prestigiado Doce de Leite Viçosa, que comprei no aeroporto de Confins. Bom, filia-se à escola argentina e uruguaia.

Pena que eu não tivesse ideia do que me reservava o doce de leite descoberto na Pousada do Garimpo, onde o fabuloso Vandeca trabalha. Da próxima vez, trarei uma dúzia.

(Serviço meia-boca: esqueci quanto paguei pelo doce de leite e pelo de limão. Juntos, com certeza saíram por menos de 20 reais. Ignoro se o Vandeca só vende lá em Diamantina ou envia para longe. Em todo caso, para quem se interessar, eis o site da Pousada do Garimpo.)


O pressentimento do Zagallo e o fator Seedorf
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Mário Magalhães

O craque Seedorf, termômetro do Botafogo – Foto Divulgação/Vitor Silva/SSPress

 

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Mal acabara a semifinal da Copa de 98, no velho estádio de Marselha, quando alguém perguntou ao Zagallo se ele pressentira que a seleção prevaleceria sobre a Holanda. Ele disse que sim, ao saber, minutos antes do mata-mata, que o Clarence Seedorf estaria no banco, e não em campo.

A partida foi renhida, e só chegamos aos pênaltis graças à crise da relação entre o Kluivert e a bola. O holandês fez um gol, mas desperdiçou outros tantos e estragou jogadas. Triunfamos nas cobranças, depois de o Velho Lobo motivar seus batedores _houve quem ridicularizasse a cena, para mim comovente.

No meio do jogo, uma colega correu para vomitar no banheiro da tribuna de imprensa, tamanho seu nervosismo. Outro amigo ansioso, chileno-paulista, ficou do lado de fora, batendo papo com um guarda. Um eminente escritor até hoje reitera que não gosta de decisão em pênaltis, porque seriam injustos. Só por isso, ele recapitula em suas crônicas, retirou-se antes das cobranças naquela noite. Minha impressão foi outra: nosso querido imortal, gente boa, estava se pelando de medo de enfartar.

Foi mesmo uma jornada de matar, que só evoco para mostrar como Zagallo, que sabe muito de futebol, já identificava o talento assombroso do Seedorf. Recordei a passagem de 15 anos atrás ao ver o surinamês-holandês macambúzio, na ponta-esquerda do Botafogo, durante todo o primeiro tempo do clássico da quarta-feira contra o Flamengo.

Não jogou nada. Seu time atuou com dez e levou um baile que poderia ter se transformado em goleada. Seedorf errou passes, apanhou da bola, não marcou _uma nulidade. Como tem sido recentemente. Uns dizem que está com os joelhos em pandarecos. Outros, que o clima com os companheiros azedou.  A maioria constata o óbvio: aos 37 anos, não é mais o garoto que fez o Zagallo vibrar ao vê-lo na reserva _ele entrou mais tarde, no Vélodrome. E o calendário dos futebolistas beira a insanidade.

No segundo tempo, contudo, a história mudou. Logo deu para ver que, da solidão no extremo canhoto, Seedorf passou a jogar no círculo central, organizando a equipe. Como seu cérebro, comandou-a na etapa em que encurralaram o Flamengo e deixaram de enfiar o chocolate que as circunstâncias proporcionavam.

Seedorf e Oswaldo de Oliveira são muito inteligentes. Se o velho craque não estava no meio antes é porque devem avaliar que ele não segura o ritmo quando os adversários ainda estão descansados.

É cada vez mais evidente que, com Seedorf bem, o alvinegro vai bem. E vice-versa. Como ele tem jogado mal, o Botafogo decaiu.


Major Pricilla: um perfil
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Mário Magalhães

Em março de 2011, Pricilla entre Michele Obama e Hillary Clinton – Foto reprodução

 

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Com o desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, as suspeitas de que o sumiço tenha sido obra de policiais militares e a queda do major Edson Santos do comando da Unidade de Polícia Pacificadora da Rocinha, o governo do Rio de Janeiro escalou para assumir a UPP da favela o oficial PM de maior credibilidade no Estado.

A rigor, uma oficial, a major Pricilla Azevedo.

Eu já havia lido algumas reportagens sobre Pricilla. Mas aprendi muito mais com o perfil inédito, de autoria da jornalista Débora Thomé, publicado agora pela primeira vez.

O perfil inaugura em alto estilo colaborações de amigos generosos para o blog. Débora trabalhou nos jornais “O Globo” e “O Estado de S. Paulo”. Fez mestrado em ciências políticas, no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Hoje se dedica à edição de livros. E está lançando um escrito por ela própria: “O Bolsa Família e a social-democracia” (Editora FGV).

Boa leitura.

*

Por Débora Thomé

Pricilla de Oliveira Azevedo, de 35 anos, é, segundo ela própria, muito medrosa. Enfrentou tiroteios, viu colegas serem baleados à queima-roupa, foi sequestrada, espancada e fugiu duas vezes do cativeiro, comandou 120 policiais na primeira experiência da Polícia Pacificadora do Rio de Janeiro, mas, mesmo assim, diz ter muito medo. “De quê?”, pergunta a repórter: “De cachorro e temporal. Morro de medo!”

Pricilla Azevedo, ou melhor, Major Pricilla, foi escolhida para comandar a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha. Assumiu este mês com a tarefa árdua de tirar a mácula da polícia no local, depois das suspeitas quanto ao sumiço do pedreiro Amarildo, desaparecido há mais de dois meses. Seu nome não foi indicado à toa para o cargo: a UPP da Rocinha é vitrine da mais famosa política do governo do Rio de Janeiro.

A major resolveu bem cedo, aos 17 anos, que faria a prova para oficial da Polícia Militar, acompanhando o irmão e inspirada por um tio. Fez a prova e descobriu, enquanto esperava na fila do banco, que tinha sido aprovada. Abandonou rapidamente a fila e o noivo – quando ele disse para que optasse entre ele e a Polícia – e foi se internar por três anos no quartel. Mais de uma década depois, tornou-se a primeira comandante de uma UPP.

Era dezembro de 2008 quando, pelo rádio da viatura, soube que seria a responsável por uma nova experiência de policiamento comunitário na favela do Morro Santa Marta. Tomou um susto: “Mas por que eu?” Ninguém respondeu, e até hoje ela não sabe muito bem os motivos. Por duas semanas, guardou segredo absoluto e mudou-se para o morro a fim de começar a preparação junto com a centena de policiais que comandaria. A partir dali, foram dois anos indo apenas duas vezes por semana para casa. Dormia no quartel, que fica no sopé da favela, ou na própria unidade da polícia, dentro da comunidade.

(Para quem não conhece bem o Rio: a favela Santa Marta fica incrustada no bairro de Botafogo; nela, moram cerca de 7 mil pessoas. É passagem do Centro para vários bairros da nobre Zona Sul. De carro, em 10 minutos, chega-se ao Pão de Açúcar. Está a menos de três quadras de alguns dos principais colégios do Rio de Janeiro, escolas essas que, por conta dos tiroteios pré-UPP, chegaram a blindar suas janelas.)

Santa Marta

Os primeiros dias de experiência no Santa Marta foram frustrantes: em uma tentativa de se aproximar da população, a Polícia promoveu cursos de orientação de saúde, mas nenhum morador compareceu. Foi aí que Pricilla tomou a decisão que mudaria a forma de a polícia trabalhar: se ninguém ia aos cursos, ela iria até a população. Passou a frequentar festas da comunidade, eventos, encontros e bares. Gastava o coturno subindo e descendo o Santa Marta, das mais íngremes construções da cidade.

“Passava dia e noite em função disso, porque tem gente que a gente só encontra e conhece quem é à noite. Então, dormia e acordava duas horas da manhã, com insônia, e ia fazer ronda.”

Ela entendeu que, para conseguir fazer algum trabalho ali, tinha que conhecer bem a comunidade. Depois de anos sob o poder dos traficantes, os moradores da favela não queriam conversa com a polícia ou o Estado. Estavam desconfiados e mudos. A maioria dos traficantes fugiu, mas ninguém ajudava ou dava pistas sobre tema algum.

Os dois anos com a rotina de sobe e desce acabaram com o noivado, mas fizeram com que Pricilla se tornasse querida no morro. Foi madrinha de criança e quase virou mãe.

“Um dia, estava na sede quando chegou uma mulher cheia de roupinhas e com um bebê debaixo do braço. ‘Trouxe para a senhora cuidar’, ela me disse. E continuou, dizendo que sabia que eu estava muito mais preparada para fazer isso que ela. Fiquei pensando no que ia fazer com aquela criança, que acabou mesmo passando o dia todo comigo, mas depois ficou com a mãe.”

Faltou-lhe coragem.

Pistola contra a bochecha

Mas dois anos antes, em 2007, aos 29 anos, ela a teve de sobra. Pricilla saía rumo ao culto evangélico, com a avó e a mãe, quando foi abordada por bandidos que pretendiam roubar seu carro e acabaram a levando junto. Excepcionalmente, ela não trazia a bolsa com arma e munição que sempre carregava. Teria sido sua sentença de morte. Por outro golpe de sorte, os bandidos não repararam de início que, na mala do carro, estavam todas as suas medalhas do trabalho na Polícia.

No cativeiro para onde foi levada, sete homens a ameaçaram, espancaram, enquanto se revezavam espremendo a pistola contra a sua bochecha. O pensamento de Pricilla era um só: precisava sair dali, fosse como fosse, pois sua mãe não poderia passar por isso. Tentou fugir a primeira vez; foi parar na casa de um casal de idosos que a recebeu com vassouras em riste, o que chamou a atenção dos bandidos. De volta ao cativeiro, Pricilla teve que inventar uma longa história para justificar sua mala, que fora encontrada, lotada de artefatos de polícia. Caso soubessem que ela integrava a corporação, adeus! Disse, então, que era amante de um policial, cuja mulher era a “piranha da Pricilla”. O nome verdadeiro havia sido omitido desde o começo do sequestro.

Depois de horas de torturas físicas e psicológicas, Pricilla foi colocada na mala do carro e conseguiu fugir pela segunda vez, entrando finalmente em uma casa onde um garoto a ajudou a escapar. Em todo esse tempo, sua visão parcial foi garantida por uma brecha discreta que conseguiu abrir na venda que tapava seu olho.

Para os ladrões, o saldo não poderia ser pior: 5 reais, um par de tênis usado, uma bateria ruim de carro, pneus velhos e um celular, além de décadas, somadas, de prisão. Pricilla nunca mais conseguiu localizar o menino que a salvou, mas, dois dias depois do sequestro, cinco dos bandidos estavam presos. Os outros dois também foram presos; o último deles, apenas no ano passado.

No dia seguinte ao crime: enquanto o comandante do batalhão tentava enrolá-la e dissuadi-la, Pricilla, que tinha ido trabalhar, deu mais um jeito de escapar: fazia questão de prender os homens que a tinham torturado. E assim foi.

Esse ato de bravura – somado ao reconhecimento pelo trabalho na comunidade – a fez apertar a mão de duas das mulheres mais poderosas do mundo: Hillary Clinton e Michele Obama, em março de 2011, no prêmio Mulheres de Coragem, nos Estados Unidos. Desta vez, novamente, pensou na mãe, na emoção que devia estar sentindo ao ver sua filha.

Apesar de ser de uma família de classe média baixa, com o pai funcionário público e a mãe professora, divorciados, Pricilla contou com o apoio da avó e muito trabalho materno para garantir o pagamento da mensalidade do colégio particular. Conheceu as drogas cedo, ainda na escola, mas nunca as consumiu. E o tema tampouco faz parte de seu discurso. Adora ir à praia, acampar e fazer caminhadas. Chegou a ter dúvidas entre estudar direito e ir para a polícia. Acabou voltando à universidade muitos anos depois. “Este ano me formo, se Deus quiser”, diz. Já são 12 anos tentando terminar a faculdade, interrompida inúmeras vezes por conta do trabalho.

Fogo cruzado

Ela é persistente, e essa dureza Pricilla fortaleceu nos três anos de internato no quartel. A rotina de exercícios começava às 5 da manhã, sendo que, quando um dos colegas cometia alguma falha, cinco minutos de sono eram tirados de todos. Os lençóis tinham que ser milimetricamente colocados, com a marca da Polícia no meio do colchão. “Eu adorava dormir, então a saída foi passar a dormir no chão, assim deixava a cama intacta e perfeita.”

Junto com ela estavam outras 23 mulheres. Vinte e uma se formaram, apesar de terem que executar, diariamente, a mesma tarefa dos homens, correndo com o armamento pendurado ao corpo. Desde então, aprendeu a atirar até mesmo de armas de grosso calibre, mas nunca foi habilidosa. O mais difícil para ela, lembra, não era nada disso, mas, sim, aprender a ficar sempre séria. Este era seu grande desafio: disfarçar a graça que via em tudo aquilo.

É com a leveza de quem conta que tomou café com leite pela manhã que a major relata histórias dos diversos confrontos de que participou ao longo da vida, nos quais carregava e atirava com um fuzil Para-FAL 556, uma das armas mais potentes da polícia do Rio. Seu maior problema era o pesado colete à prova de bala: era comum sair carregando 30 quilos entre armas, colete e munição. Pricilla não revela, de forma alguma, se chegou a matar alguém em confronto, mas se lembra bem da primeira vez em que viu um tiro à queima-roupa, desde o momento em que a bala saiu da arma do traficante até atingir um policial.

A cena ocorreu em meio ao pior fogo cruzado de que já participou. Ela estava de plantão justamente nos dias de Carnaval. “Nestas situações, a gente fica torcendo para dar problema, para o serviço passar mais rápido.” Quando os policiais saíam da ronda da favela, por uma distração, estavam dentro dos carros – o que Pricilla explica nunca deve ser feito, por segurança. Na hora em que determinou que os policiais deixassem as viaturas, começou a chuva de tiros. Pricilla manteve a calma, abrigada atrás de um poste. Foram 40 minutos, pelo menos, sob o barulho de fuzis. Era dia de desfile, e as pessoas corriam levando as enormes fantasias embaixo do braço, desesperadas.

A adrenalina dessa e de outras ocasiões segue no corpo, pelo menos, até dormir. No dia seguinte, tudo volta ao normal. “Na hora, a gente só fica na vontade de resolver aquilo. E não adianta ir para casa, pois não passa.”

Mulata jambo, Pricilla versão à paisana usa tons pastéis e anel e cordão de ouro trabalhados sem ostentação: é uma militar de patente reconhecida. E mesmo vivendo num país como o Brasil, machista e racista, diz que não sofreu preconceito por ser mulher ou por ser negra. “O que eles fazem, em uma operação, é me proteger. Meu namorado foi o único homem de quem ouvi que uma mulher não ia mandar nele.” Pricilla jura que a hierarquia do militarismo faz com que todos a respeitem.

Entretanto, nem todo dia é assim. Certa vez, um superior deu um soco na mesa ao ouvir dizer que uma mulher comandaria a Polícia Militar no Rio de Janeiro. “Isso não vai acontecer nunca!”, bradou. Hoje, uma mulher já é a chefe da Polícia Civil e a major Pricilla é conhecida como dos nomes preferidos do Secretário de Segurança José Mariano Beltrame. No meio, dizem que ela só não tem mais poder justamente porque ainda não está no alto da hierarquia. Com sua idade, ainda tem muito tempo.

Quando saiu do Santa Marta, Pricilla se tornou coordenadora geral de Programas Estratégicos para as UPPs, trabalhando internamente na Secretaria de Segurança. Sentia muita falta dos dias emocionantes na rua. Se ela queria mais trabalho e emoção, a Rocinha parece ser o local certo.