Na ficção da TV, o jornalismo nunca foi tão vibrante como em ‘The Newsroom’
Mário Magalhães
( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )
(Por sugestão do Thiago999, alerto que o texto abaixo contém informações sobre a trama. Embora desde o primeiro episódio desta segunda temporada esteja claro que a história se desenvolve em torno de um brutal erro em notícia veiculada pela emissora, peço desculpas caso tenha revelado algum detalhe impróprio. Obrigado, Thiago.)
Até onde a memória alcança, foi um dos episódios mais espetaculares de qualquer série ou seriado de ficção a que eu assisti na TV em todos os tempos. Tratando de jornalismo, não me lembro de nenhum programa igual.
De tirar o fôlego, tenso e comovente, assim foi “The Newsroom” na segunda-feira, na HBO. Deixei passar uns dias para dar o meu pitaco, e ainda agora me emociono com as agruras dos jornalistas que embarcaram numa tremenda cascata, ao noticiar que tropas americanas teriam empregado gás sarin numa operação além-mar.
Um dos momentos mais dramáticos do livro “Todos os homens do presidente” conta um erro de Bob Woodward e Carl Bernstein. Em reportagem do caso Watergate publicada no ''Washington Post'', na primeira metade dos anos 1970, eles informaram errado, por terem entendido mal a fonte, o Garganta Profunda. Essa passagem, que eu recorde, não consta do filme.
A propósito, a versão do livro para o cinema é muito boa, mas fica difícil encarar, na comparação, o episódio de “The Newsroom”. Como não há intervalo, não deu tempo nem de ir ao banheiro, porque todas as cenas e sequências hipnotizavam.
Um dos maiores méritos do criador de “The Newsroom”, Aaron Sorkin, é o ritmo frenético. Desconfio de que ele brincou com isso nas ironias entre o âncora americano e a produtora britânica, menosprezando os esportes nacionais de cada um. A personagem de Jeff Daniels tripudiou do 0 a 0 no futebol-soccer, e a de Emily Mortimer perguntou sobre ritmo nas modalidades norte-americanas. Ele reconheceu que um jogador de beisebol pode até comer um sanduíche durante a partida.
Essa temporada da série se desenvolve em torno do erro monumental, levado ao ar no canal jornalístico a cabo. Deveria ser estudada nas escolas e provocar as redações. Em vez de tanta masturbação semiológica impingida aos alunos nas faculdades, deveriam discutir os grandes temas abordados ficcionalmente em “The Newsroom”. Por exemplo: era possível evitar o fiasco? Que procedimentos não foram tomados? E que valores foram ignorados?
Existe assunto sem fim para teses acadêmicas, oficinas jornalísticas, debates de quem se preocupa com jornalismo e até para papo de botequim, mesmo entre quem não tem nada a ver com a nossa profissão.
A produção é dos Estados Unidos, cujo melhor jornalismo vem perdendo qualidade, ao se transformar em braço propagandístico do Departamento de Estado.
Foi tudo tão sensacional que o descaso da HBO com a tradução e as legendas dessa vez não irritou tanto. “Evidence” quase sempre é “prova”, e não “evidência” (ok, vocês estão imitando o jornalismo brasileiro).
“Resignation”é renúncia ou pedido de demissão, e “to resign” é renunciar ou pedir demissão, e não resignação ou se resignar _esses erros mudaram o conteúdo da cena final.
A emissora se esqueceu de colocar legenda na derradeira manifestação da dona da emissora, vivida por Jane Fonda. Ao ouvir que o diretor de jornalismo e o âncora perderam a confiança do público, ela não aceita os pedidos de demissão. Pelo contrário, mando-os trazer a confiança de volta.
Há muitas restrições jornalísticas sobre os “jornalistas” de “The Newsroom”, mas eles têm uma qualidade fascinante: não perderam o encanto com o jornalismo, com o seu caráter de serviço público. Não perderam a ambição de fazer sempre melhor. (E olha que o âncora é republicano, e uma possível interpretação da história de segunda-feira é que a “barriga” _erro grave de informação_ foi culpa do sentimento crítico exacerbado contra a política externa dos EUA.)
O jornalismo de “The Newsroom” tem dado um baile no jornalismo real, inclusive na rapidez que teve para reconhecer o erro.