Blog do Mario Magalhaes

Daqui a pouco, vão dizer que o Collor liderou os caras pintadas

Mário Magalhães

A fotomontagem é obra do blog; o embuste histórico em curso, não

 

( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )

Muito mais do que pelos meus cabelos brancos, sinto a passagem do tempo pela insistência da memória em confrontar certas reconstituições históricas. O que contam hoje não combina com o que eu vivi ou com o que soube.

Foi o que ocorreu novamente ontem no programa eleitoral das oito e meia da noite. Até mais da metade da exibição, eu não fazia ideia de qual partido vendia o seu peixe. O recurso, manjado, tenta evitar que o espectador saia de frente da TV. Caso pensado, explica essa reportagem.

O programa reivindicou os protestos de junho, saudou-os como bons para a democracia. Os manifestantes obrigaram os poderes a trabalhar. Portanto, um partido com o espírito das multidões que saíram às ruas.

Mais para o fim, esclareceram que o programa era do PMDB. O mesmo do governador Sérgio Cabral, talvez o político brasileiro mais desgastado pelas jornadas memoráveis que sacudiram o país. Cabral é o cidadão que desqualificou as manifestações, em virtude do viés político _religioso é que não seria. O PMDB do prefeito Eduardo Paes, que disse ser impossível baixar a tarifa dos ônibus, até recuar diante do movimento da massa.

Ou seja, os marqueteiros apostaram no esquecimento de fatos ocorridos no mês retrasado.

A primeira parte do programa evocou a luta dos caras pintadas. Como se sabe, aqueles jovens batalharam em 1992 pelo afastamento do presidente acusado de corrupção, Fernando Collor de Mello. Foram muito importantes para o desfecho democrático, o impeachment de Collor.

Logo depois de aclamar os caras pintadas, o programa mostrou o senador Renan Calheiros falando. Promoveu legitimamente o presidente do Congresso.

O problema é que, como sabem os mais velhos, Renan foi um dos artífices da candidatura de Collor ao Planalto, vitoriosa em 1989. Embora tenha se afastado do presidente acossado por denúncias de falcatruas, nada tinha a ver com os caras pintadas.

De novo, confiaram no esquecimento.

Do jeito que as coisas vão, com o despudor das versões fabricadas de acordo com as exigências propagandísticas, qualquer hora vão dizer que Collor liderou os caras pintadas contra… o presidente Collor. Ou que o coronel Ustra lutou pela democracia.

Não custa enfatizar que esse tipo de engambelação não é exclusividade do PMDB. Se não é possível generalizar, afirmando que todos os partidos agem assim, é notório que o falseamento da história tem sido constante.