Blog do Mario Magalhaes

Com direção de Wagner Moura, ‘Marighella’ tem tudo para ser um filmaço

Mário Magalhães

( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )

Nenhum fantasma assombra _ou deveria assombrar_ tanto um jornalista como o lugar-comum. O diacho é que às vezes nenhuma ideia parece tão clara e verdadeira como a do clichê. Pois me rendo a um deles: ao ceder os direitos de adaptação do meu livro para o cinema, sinto-me como um pai que assiste a um filho ir embora de casa.

Recapitulando: no fim de 2012, depois de nove anos de trabalho insano, lancei pela Companhia das Letras a biografia “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo”; o livro foi recebido com generosidade pela crítica, tanto a jornalística quanto a acadêmica; sobretudo, e mais importante, pelos leitores.

Ontem saiu o anúncio de que cedi os direitos da biografia para o Wagner Moura e a produtora O2 Filmes. Ator consagrado, intérprete do Capitão Nascimento, Wagner estreará como diretor de longa-metragem. A O2, responsável por obras como “Cidade de Deus” e “Ensaio sobre a cegueira”, escalou como produtores executivos do projeto seus sócios Fernando Meirelles, Andrea Barata Ribeiro e Bel Berlinck, que está morando por uns tempos aqui no Rio.

O repórter Rodrigo Fonseca entrevistou o Wagner. A O2 (lê-se “o”, como a letra, e não “zero”) informou oficialmente nesta nota.

O cupido da relação foi a atriz Maria Marighella, neta do meu biografado, que apresentou o livro ao seu amigo Wagner e fez o meio-campo entre ele e eu. O primeiro encontro de nós três, um almoço numa trattoria afrancesada do Jardim Botânico, rolou em janeiro, se a memória não me trai.

Antes e depois, ouvi outras propostas e sondagens de um pessoal bacana do cinema. Eu poderia me fazer de bocó ou poseur, dizendo que não esperava, mas mentiria. Em numerosas oportunidades, enquanto escrevia o livro, pensava que determinada cena renderia uma tremenda sequência em filme ou minissérie. Fosse uma cena de amor ou de tiroteio. E me divertia imaginando os atores que se encaixariam nos papéis.

O livro começa com os tiras da polícia política baleando Marighella no cinema, em maio de 1964. Com três orifícios sangrando, o cinquentão resistiu à prisão, lutando capoeira contra um magote de agentes do Dops. O Wagner contou ao Rodrigo Fonseca que pensa em abrir o filme com esse episódio.

Biografias têm eixo. A do Assis Chateaubriand, obra-prima do Fernando Morais, escrutina o gosto exacerbado pelo poder. Uma do Carlos Lacerda, que senhor personagem, trataria do ódio, do homem brilhante movido pelo fígado. A do revolucionário Carlos Marighella (1911-69) é uma história de ação. De filmes de ação, e não apenas deles, o Wagner e a O2 entendem.

A imagem do filho que parte para morar sozinho ilustra como eu sinto a próxima aventura do Marighella no cinema. O rebento sai da aba dos pais, pois cresceu e seguirá em frente sem estar mais tão perto. Não é triste, pelo contrário. O livro criou perninhas, anda por si só, vai gerar novas histórias do Marighella.

O filme que vem por aí é de ficção, ainda que baseado em fatos reais _já foram feitos pelo menos quatro documentários sobre Marighella. Quem quer saber exatamente o que ele fez, disse e (quando possível) pensou, pode ler no livro. No cinema, é legítimo condensar personagens reais em um só, criar personagens fictícios para amarrar núcleos da trama, fantasiar situações que ajudem a sintetizar trajetórias e ideias. É arte, ficção.

O Wagner e a O2 ficarão livres da maldição que abate tantos cineastas e produtores no Brasil e no exterior: a do autor de livro não ficcional que os aporrinha cobrando fidelidade letra por letra à narrativa literária. Ora, o livro é o livro. O filme de ficção é o filme de ficção. O autor responde pelo seu livro. O diretor e os produtores, pelo filme.

Como sabe quem leu a biografia, não escrevi uma hagiografia, propaganda do protagonista. Nem panfletei contra ele. Rejeitei veleidades de magistrado, querendo julgar Marighella. Como costumo reiterar, é legítimo amá-lo ou odiá-lo, mas é impossível ficar indiferente à sua existência frenética.

O que não falta é matéria-prima para um filme de tirar o fôlego. A vida real do Marighella é mais fantástica, para o bem e para o mal, do que qualquer mitologia marighellista ou antimarighellista já criada.

Cá entre nós, o personagem Marighella e seu biógrafo merecem comemorar: ter essa história fascinante contada por gente do talento do Wagner Moura e das feras da O2 é como ver o filho saindo de casa e dando sorte na vida.

O filme sobre Marighella é um baita desafio artístico. Tem tudo para ser um filmaço. E será.