Blog do Mario Magalhaes

Pesquisa médica e histórico de mortes contradizem PM do Rio sobre gás lacrimogêneo

Mário Magalhães

Detalhe de nota da PM/RJ exibida no ''RJTV 2ª edição'' de 5 de agosto

 

( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )

Pesquisa de médicos da Harvard University, Duke University, State University of New York e outras instituições dos Estados Unidos contradiz nota oficial da Polícia Militar do Rio de Janeiro, segundo a qual inexistem registros de mortes causadas pela inalação de gás lacrimogêneo.

A PM afirmou, em nota exibida ontem pelo “RJTV 2ª edição”: “Não há na literatura policial qualquer menção à morte em decorrência da ação de gás lacrimogêneo”.

É possível que tenha havido um equívoco: quem trata com mais propriedade da causa das mortes é a literatura médica. Em todo o planeta, a polícia dispara bombas de gás _e propagandeia que elas não provocam danos graves à saúde.

A declaração da PM ocorreu a propósito da morte do ator Fernando da Silva Cândido, semanas depois de ele inalar gás lacrimogêneo na jornada de protestos de 20 de junho no Rio. Fernando tinha problemas respiratórios anteriores. Hospitalizado, gravou um depoimento (para assistir, clique no vídeo acima ou aqui).

Nos últimos anos, soube-se de mortes decorrentes do emprego policial de gás lacrimogêneo pelo menos no Bahrein, na Mauritânia e na Palestina. No Bahrein, os artefatos, arremessados de perto, também mataram pelo choque, como um projétil. A PM do Rio não precisaria ir tão longe no tempo e no espaço: em junho, uma gari de 54 anos morreu em Belém (PA) depois de ingerir gás utilizado para dispersar um ato público.

Uma colega dela contou: “Nós estávamos todos conversando lá, estávamos tranquilos. Quando aquele gás que parecia pimenta começou a arder nos olhos da gente, todo mundo passou mal, e foi aí que a Cleonice começou a tossir, tossir, sem conseguir respirar direito e chamaram uma ambulância”.

A investigação dos acadêmicos das três renomadas universidades dos EUA foi publicada em agosto de 1989 no “Journal of the American Medical Association”. Intitula-se “Tear Gas: Harassing Agent or Toxic Chemical Weapon?”. Isto é, pergunta se o gás lacrimogêneo é um instrumento para causar mal estar ou uma arma química tóxica. Clique aqui para ler o artigo (em inglês).

Só na Coreia do Sul os pesquisadores entrevistaram mais de cem pessoas, incluindo médicos e vítimas de gás lacrimogêneo. Em julho de 1987, foram usadas 351.200 bombas de gás contra manifestantes naquele país.

São citados três outros estudos e relatórios com registro de mortes devido ao CN, uma das substâncias componentes do gás que faz chorar. O CS, outro componente, foi responsável por ao menos cinco mortes (não na Coreia do Sul), embora tenha sido inalado em ambientes fechados.

A Prefeitura de Nova York informa que gás lacrimogêneo pode matar, se a pessoa ficar exposta a ele por mais de uma hora.

A “Galileu” publicou uma reportagem interessante sobre o tema.

Sem uma avaliação pericial rigorosa, é impossível saber se o gás inalado por Fernando da Silva Cândido contribuiu para sua morte.

A afirmação da nota da PM, porém, não encontra respaldo na literatura médica nem na história recente, muito pelo contrário.