‘Caetano’, ‘carlotinha’ e ‘piriquitex’: vem aí o dicionário da pornografia brasileira
Mário Magalhães
( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )
Tem tudo para ser um estrondoso sucesso editorial: está pronto o dicionário da pornografia brasileira, obra do jornalista, romancista e cronista Rogério Menezes.
Diga lá, meu coração: você sabe o que significam, em matéria de sacanagem, as expressões “fidel”, “di santini” e “botar café no bule”? _esta última quer dizer isso mesmo, não é difícil adivinhar. E as três palavras entre aspas no título lá em cima?
Gosta de “baixar vovó?”. Faz ideia do que seja “candelabro italiano”, técnica criativa bem explicadinha no dicionário? Tudo isso Rogério responde nesta entrevista ao blog.
Baiano de Mutuípe e criado em Jequié, ele foi buscar no fiofó da memória de juventude os palavrões que aprendeu. E também poemetos inspirados: “O trem passou na linha/a linha balanceou/quem deu esse peido/a buceta da mãe estourou”.
Até de verbete que não entrou na seleção de mais de 2.500 do livro ele fala abaixo. Conheces o “nicodemo”?
Rogério Menezes, 59, vive no Rio. É autor dos romances Meu Nome é Gal (Codecri, 1984), Três Elefantes na Ópera (Record, 2001) e Um Náufrago que Ri (Record, 2009). Publicou o livro de crônicas A Solidão Vai Acabar Com Ela, seleção de 60 das quase mil que escreveu no jornal Correio Braziliense de 2000 a 2002. Para a coleção Aplauso, editada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, escreveu as biografias de Walderez de Barros, Bete Mendes e Ary Fontoura.
Agora, só falta definir a editora que lançará o dicionário. Seguramente, candidatas não faltarão.
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O que é o projeto e como foi gerado o seu dicionário sobre pornografia brasileira?
A minha ideia inicial foi listar e explicar à minha maneira todos os palavrões e expressões chulas que ouvi desde a infância, a maioria aprendida e captada quando morava em Jequié, no interior da Bahia, nos anos 1960, entre os 4 e os 14 anos, quando fui fazer o curso colegial e depois cursar universidade em Salvador. Desse período, numa aparentemente provinciana comunidade, retirei das franjas da minha memória a maioria dos verbetes que dicionarizei.
Meu núcleo familiar era basicamente conservador. Minha mãe, dona de casa e costureira, cozinheira, bordadeira e doceira excepcional. Severa, era dona de sensibilidade extremada. Ostentava certo pathos existencialista e perfil aparentado com algum personagem feminino dos filmes do cineasta sueco Ingmar Bergman, e, claro, não costumava usar palavras de ´baixo calão´, como alguns preferiam e ainda preferem dizer.
Em compensação, meu pai, pequeno comerciante, sempre bem-humorado, era frasista e piadista de primeira linha. Não tinha pejo algum em usar palavrões e expressões de caráter profano e iconoclasta em profusão, geralmente no local de trabalho – em casa, respeitava o tom respeitoso de minha mãe.
Era dono de uma venda (espécie de mercadinho no qual comercializava quase tudo: de sabonete a pimenta e cominho). Ficava localizada em praça onde funcionava a feira semanal da cidade, que tinha uma movimentação excepcional de fregueses, principalmente nos finais de semana. Eu estudava pela manhã, e nas entediantes tardes de meio de semana, e, durante todo o sábado, ajudava no atendimento, na pesagem de alimentos (açúcar, café, arroz, sabão, farinha de trigo, que eram empacotados em pequenos sacos de papel pardo, em volumes que variavam de 250 gramas a 1 quilograma). Nos dias de maior movimento, sexta e sábado, tomava conta do caixa, me responsabilizando pelo cálculo exato do troco em dinheiro que deveria ser devolvido aos compradores.
Não gostava muito dessa atividade, já sonhava me tornar escritor algum dia. Mas algo naquele mundo já me fascinava. Naquela espécie de ecossistema de linguajares diferentes, mas convergentes, pude conviver com gentes de toda a região, das putas da Ladeira do Maracujá, onde ficavam os bordéis jequieenses à época, localizado bem ao lado do mercado, aos ´coronéis´ e fazendeiros da região. No calor da hora, no frenesi do entra e sai de pessoas, todas as palavras e expressões, inclusive as não aprendidas na escola, as de sentido mais chulo e popular, eram permitidas. E esses termos e sentenças eram ditos e quase gritados a cada minuto.
Meu pai, sempre bem-humorado, ao contrário de minha mãe, bastante introvertida, não negava fogo. Se um cliente lhe disparava algum chiste de duplo sentido, ela dava o troco, na hora, numa agilidade mental impressionante. E eu me perguntava: – Se meu pai pode falar essas coisas que as professoras de religião condenam e as batizam de baixo calão por que eu não poderei dizer o que quiser e bem entender? E assim o fiz.
Além disso, vivi infância numa época em que questões morais e sexuais eram escondidas sob os tapetes das salas ou no fundo dos guarda-roupas cheirando a naftalinas. Tais assuntos eram sequer verbalizados. Mas isso não impedia que, por trás dos muros dos quintais, na calada da noite, as crianças de minha época tivessem a libido à flor da pele e cometessem ´delitos´ que, apenas décadas depois seriam liberalizados (alguns) ou discutidos, e demonizados ou ainda consideradas tabus (outros).
Sexo entre meninos e meninos, com animais, eram práticas absolutamente comuns. Nas aulas de educação física, no alvorecer da manhã, vários alunos costumavam se atrasar: praticavam zoofilia com éguas das redondezas.
Como se não bastasse, praticamente aprendi a ler por meio dos livros de Jorge Amado, meu pai tinha coleção completa das obras dele em capa dura vermelha – e ele acabou se tornado o meu Monteiro Lobato. Além disso, as histórias eróticas em quadrinhos, desenhadas por Carlos Zéfiro num estilo quase naïf, nos provocavam sinapses de alta voltagem eróticas, Last but not least, uma das minhas mais remotas memórias é, aos quatro ou cinco anos, ouvir minha irmã treze anos mais velha do que eu, me mandar à merda por eu ter derramado um pouco do perfume que ela tanto amava no chão. Ou seja, o meu dicionário tem certo tom proustiano, absolutamente autoral, memorial e pessoal. Mas, claro, reflete, também, toda uma época e todo um padrão ético, social e moral. Com o passar o tempo, fui acrescentando palavras e expressões pornográficas ia ouvindo em minhas passagens por Salvador (onde morei 17 anos), São Paulo (12), Brasília (10) e Rio de Janeiro (há 5).
Qual o título do livro?
Imaginei inicialmente chamá-lo de Palavrão – Dicionário da Pornografia Brasileira. Depois achei o nome pretensioso demais. Nunca foi minha intenção dicionarizar todas as, talvez, dezenas de milhares de palavras e expressões chulas utilizadas no Brasil inteiro. Para isso teria que viajar durante um longo período pelo país, consultar centenas de fontes, do Rio Grande do Sul ao Acre – e, claro, a partir dessa abordagem, digamos, mais científica e menos memorial, resultaria um dicionário de dimensões e pretensões infinitamente maiores.
Meu modesto dicionário não pretende ter qualquer caráter antropológico ou etimológico. Também acho que chamar essas palavras e expressões de palavrões ou, mais suavemente, de palavras e expressões de baixo calão algo extremamente preconceituoso e antiquado. Para mim são palavras como outras quaisquer, sacralizadas pelo uso amplo e corrente da maior parte da população do país, seja rica ou pobre. Portanto, não merece qualquer restrição moral, ética, ou religiosa. Óbvio, ninguém é obrigado a usá-las, mas são expressões legítimas e altamente expressivas do imaginário popular brasileiro.
A partir desse tom autoral, pensei em rotulá-lo de Dicionário Rogeriano da Putaria Nacional. Também deletei tal ideia. Soaria demasiado egóica e, talvez isso pareça paradoxal diante do que disse até aqui, vulgar. Então lembrei grupo de teatro amador que criei e dirigi, no fulgor dos 21 anos, em meados dos anos 1970, em Salvador: tinha como objetivo básico conscientizar as camadas populares da capital baiana e de cidades do interior a se engajarem na luta pela implantação do socialismo no Brasil por intermédio da luta armada, cuja primeira ação efetiva era a Guerrilha do Araguaia.
Integrei os quadros do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) dos 18 aos 22 anos. Mas, mesmo após sair da organização, por discordar de algumas posturas que achava extremamente dogmáticas, eu mantive a linha de conscientização social do grupo de teatro, até se pulverizar em 1979, bombardeado por ameaças de prisão, pressões da ditadura militar, mais especificamente da draconiana censura da época, que mutilava todos os textos que encenávamos.
Mas, apesar do tom algo megalomaníaco de nossas ações, procurávamos realizar montagens populares, mas não popularescas, e nunca abrimos do tom assumidamente lúdico de nossa dramaturgia e de nossas encenações, e o nome do grau revela bem essa intenção: Amador Amadeu. Tínhamos inspiração alemã: o nosso grande inspirador e mestre eram os textos teóricos sobre teatro escritos pelo Bertolt Brecht.
Então resolvi resgatar esse nome e transpô-lo para um, agora, objeto literário, e cheguei ao título definitivo: Dicionário Amador Amadeu da Pornografia Brasileira. Também me levou a reaproveitar esse trocadilho, quase um hai kai, o fato de a atuação do grupo ter sido recentemente objeto de duas teses de mestrado no Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia.
Quantos verbetes tem?
Mais de 2 mil e quinhentos. A maioria absoluta teve como base de pesquisa apenas a minha memória. Só li o Dicionário de Palavrões e Termos Afins, trabalho exemplar do advogado e folclorista pernambucano Mário Souto Maior, a única obra de referência sobre o tema no Brasil, escrito nos anos 1970, depois de ter listado todas as palavras e expressões de que eu havia lembrado.
Fiquei feliz em perceber que Mário Souto Maior também havia registrado termos e frases que eu memorizara, e que eu registrara centenas de termos e frases que ele não dicionarizara. Isso não significaria que o meu dicionário seria melhor que o dele. Foram escritos em épocas diferentes e com abordagens diferenciadas.
A propósito, o meu livro é dedicado à memória dele, pelo pioneirismo e pela genial sacada de, em plenos e ditatoriais anos 1970, ter se dedicado, de maneira extenuante, a uma ação cultural tão pioneira e tão necessária que buscava promover o diálogo entre a linguagem popular e a proclamada linguagem culta do idioma português.
Quanto tempo durou seu trabalho?
Talvez pudesse dizer que levei 59 anos, a minha idade atual, para escrever este trabalho. Como disse antes, foi na infância que tudo começou a se engendrar na minha mente. Mas, na verdade, levei cerca de dois anos para concluí-lo. A maioria absoluta dos verbetes me veio à mente enquanto caminhava pelo Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro.
Ando de 15 a 20 quilômetros diários desde 1989, quando morava em São Paulo, e faço isso esteja onde estiver, e sejam quais sejam as condições de tempo às quais eu estiver submetido. Na criação desse dicionário, sempre levava um lápis e um pedaço de papel no bolso, e, a cada dez minutos, parava para registrar uma palavra ou frase que ouvira da boca de meu pai, das putas que freqüentavam a venda que ele possuía, e que amigos de infância urravam nas horas do recreio.
Poderia contar algumas palavras que você descobriu durante a apuração?
Na verdade, não descobri palavras e expressões que não conhecia, eu redescobri palavras e expressões que já estavam armazenadas no HD do meu cérebro, e os pus de volta à luz. Lembro, por exemplo, da expressão Turma do Lamê, que a minha memória não me devolveu à luz na minha versão autoral, mas que, Mário Souto Maior, registrara no livro dele. Resultado: acrescentei o verbete ao meu dicionário, citando a fonte, claro, mas colocando-o sob o meu ponto de vista.
Veio-me à mente imediatamente a imagem minha e de outras crianças de Jequié repetindo a expressão, quando nos referíamos aos pederastas e viados que circulavam pela nossa cidade à época. Os homossexuais assumidos de antanho eram poucos. Os mais corajosos não escondiam o requebro no andar e o gestual exagerado, e, na verdade, vistos sob os olhos de hoje, eram um grande paradoxo: a pacata e recatada Jequié dos anos 1960 convivia pacificamente com esses gays assumidos.
Não sem motivos. Eles, vestidos com trajes típicos de baianas, faziam e vendiam os melhores acarajés e abarás da cidade, e todos faziam filas para comprá-los nos finalzinhos de tarde. O corajoso chefe do bando gay se chamava Lourinho, e, hoje, ainda vivo e forte, aos 80 anos, vive no interior de Minas Gerais.
Outra expressão também redescoberta que me instigou, e me instiga, se dizia em situações nas quais uma determinada pessoa jurava a outra que estava falando a verdade, a maaaaaais absoluta verdade: – Tá rebocado e piripicado pela buceta da mãe!
Quais os verbetes mais curiosos?
Difícil destacar. Mas tenho certa preferência por palavras como fidel (vagina não depilada), caetano (pênis), carlotinha (vagina), chechênia (vagina), di santini (lésbica), casa das primas (bordel), piriquitex (espécie de suporte que as mulheres usavam nos anos 1960 na região da vagina para aumentar o volume da genitália, quando usavam calças compridas); e por expressões como: 1) baixar vovó (praticar sexo anal); 2) Amélia chegou (menstruação); 3) Abaixo do cu da perua (deprimido, triste); 4) Falar com Wanderley Cardoso (ir ao banheiro, WC, fazer cocô); 5) Botar café no bule (praticar ato sexual). E por aí vai. É também interessante a versão pornô para a música A Banda (de Chico Buarque, que venceu o II Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record, em 1966). A paródia se intitulava-se A Bunda, e tinha versos assim: Estava à toa na vida/o meu amor me chamou/pra ver a bunda passar/peidando a todo vapor.
Poucas palavras têm tantos sinônimos como ''puta'' _no Houaiss, são mais de cem. Por que os brasileiros são tão criativos com o vocabulário pornográfico?
Não tenho informação de que os brasileiros sejam mais criativos em relação a essa questão do que os habitantes de outros países. Mas não será temerário afirmar que ocupamos posição de ponta na criação de novas expressões e palavras relacionadas à pornografia. Não só criamos como damos sentidos diversos à mesma palavra. Por exemplo, cagão. Tanto pode significar pessoa medrosa e covarde, como pessoa que tem muita sorte. Além de puta, ânus, pênis e vagina são campeões em número de sinônimos.
Produzimos também versos pornográficos que rimam de maneira, digamos, escandalosa: O trem passou na linha/a linha balanceou/quem deu esse peido/a buceta da mãe estourou.
Devo ressaltar que, nesta entrevista, em vez de usar e pronunciar a palavra boceta e veado (como é grafada nos dicionários clássicos), usei a grafia buceta e viado, como são nacionalmente pronunciadas.
Qual o seu critério para seleção de verbetes?
Absolutamente autoral e pessoal. Há no Dicionário do Palavrão e Termos Afins, de Mário Souto Maior, expressões que conhecia, mas que não tinham nada a ver com a minha vida pessoal e sexual. Fiz questão de selecionar verbetes que tinham relação direta comigo, e com o que cada palavra e expressão selecionadas significavam para mim e, provavelmente, para milhares de outros brasileiros meus contemporâneos. Tenho intenção de escrever outra edição, ampliada, na qual eu incluiria palavras e expressões que me fossem enviadas por leitores de outras regiões do país.
Todos os palavrões que (re)descobriu entraram?
Não. Alguns eu não consegui recuperar integralmente as palavras, nem por meio de minha memória nem em consulta a amigos de infância. Havia, por exemplo, uma versão pornográfica clássica da canção italiana Casa de Irene, composta por Nico Fidenco e que teve versão brasileira de grande sucesso popular na voz de Agnaldo Timóteo. Não consegui resgatar inteiramente a letra mesmo consultando diversas fontes. Alguns outros tive dúvidas em relação à grafia ou à própria palavra, ou não consegui fontes suficientes para checagens, e eu descartei.
Que região do Brasil é mais pródiga em verbetes pornográficos curiosos?
Pelo fato de ter morado em vários estados do Brasil, mas não em todos, teria dificuldade em ter informação peremptória a respeito. Mas, usando meu ´desconfiômetro´, talvez pudesse declarar: Rio, Bahia, e o Nordeste em geral são extremamente pródigos em criar verbetes novos. É interessante notar o caráter antropofágico da criação de novos termos: certos verbetes relacionados à vagina e ao pênis são apropriações (indébitas) de nomes próprios masculinos e femininos. Certamente inspirados em mulheres e homens pródigos no tamanho ou no excesso de uso de seus órgãos genitais.
Uma palavra que resolvi não incluir no dicionário, por ser extremamente local, extremamente jequieense, e extremamente restrita a um período da minha infância, foi nicodemo – utilizado no sentido de descrever homem cujo tamanho do pênis fosse muito acima da média. Era o nome de vizinho de rua que se chamava Nicodemus, e, segundo lenda que nos assustava descrevendo-o como um bicho-papão fálico e priápico, teria pênis que chegava à altura do joelho.
Você descreve enciclopedicamente o significado das palavras ou é, digamos, mais autoral?
O Dicionário Amador Amadeu da Pornografia Brasileira (e o Amador de Amador Amadeu acentua esse tom; amador, no sentido literal, de alguém que pratica determinada profissão por que ama o que faz, e não pelo dinheiro que aquela atividade lhe proporciona) não quer nem pretende ter nenhum caráter acadêmico ou enciclopédico. Ambiciona, na verdade, emanar certo caráter lúdico, mais do que didático. Alguns verbetes são minicrônicas impregnadas de impressionismo e profunda pessoalidade. Embora o significado dos verbetes seja autoralizado, faço, no entanto, citações e referências a livros, filmes, e outros hábitos de fruição cultural que cultivei, e cultivo, durante toda a minha vida.
O dicionário de pornografia é herdeiro dos dicionários de palavrões?
Se você estiver se referindo ao Pequeno Dicionário dos Palavrões, escrito por Gilles Guilheron, e lançado com enorme sucesso de vendas em maio de 2013, na França, renego completamente tal herança. Conclui o Amador Amadeu em dezembro de 2012 e comecei a imaginá-lo no final de 2010. Logo, um não tem nada a ver com o outro.
Talvez, no entanto, eu deva colocar o Dicionário do Palavrão e Termos Afins, de Mario Souto Maior, não como fonte de inspiração, pois não o conhecia antes de escrever o meu dicionário. Mas reconheço nessa obra lançada nos anos 1970 um pioneirismo e um visionarismo invejáveis.
Você poderia mostrar três verbetes?
Acusada de morte – Era uma vez, nos anos 1960, um grupo de amigos, e outros tantos grupos de amigos, que gostavam de praticar a seguinte brincadeira: narrava-se determinada cena, geralmente mentirosa, para que se desvendasse o nome de alguma atração cinematográfica, geralmente hipotética. Uma das mais cultuadas dessas narrativas era a seguinte: de repente, em rua qualquer, de lugar qualquer, em desesperada tentativa de se matar, mulher gorda e de quadris exageradamente largos se joga pela janela. Ela se salva da morte. Mas cai sobre o pescoço de homem que passa pela calçada, quebra-lhe o pescoço, e o mata. Como é o nome do filme, perguntava imediatamente o narrador. Em bom pornografês, a resposta certa era (e é) A Cusada de Morte.
Bufa – Flato ciciante, pouco barulhento, mas, segundo as más línguas, os mais malcheirosos que os seres humanos serão capazes de emanar. De poder quase letal quando disparados na classe econômica de voos de longa duração, ou sob o sol escaldante do meio-dia no interior de algum ônibus urbano ou interurbano lotado. O seminal cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007) emprestou certa transcendência às nossas sempre indiscretas ventosidades num de seus melhores filmes, Fanny e Alexander, realizado em 1982. A cena em questão: na escada da grande casa onde moram, surgem três crianças ricas e entediadas que não têm mais do que brincar. De repente, a menina arrebita a bunda, tira a calcinha, e solta potente flato. Rápido no gatilho, um dos garotos saca palito de fósforo do bolso, acende a onda de gás metano que é expelida pelo ânus da garota, e bola de fogo eclode no ar.
Candelabro italiano – Parece complicada modalidade olímpica. Mas se trata, na verdade, de famosa e exitosa sessão de sexo grupal, praticada nos quatro cantos do mundo. Da orgia participam apenas uma mulher e de cinco até sete homens – a depender das habilidades corporais da solitária protagonista. Primeiramente, ela se deixa penetrar por três homens que atuam setorialmente: na boca, na vagina e no ânus. Na sequência, a nossa acrobata do sexo masturba com as duas mãos e com os dois pés os pênis de mais quatro homens. Como utilizar os pés com fins masturbatórios exige muito anos de prática e, também, extrema perícia, as mulheres menos experientes reduzem os participantes masculinos a cinco, e usam apenas as duas mãos para masturbar os dois pênis que não a penetram. Com seis ou oito participantes, a coreografia final, com todos os participantes ocupando os seus devidos lugares, deve remeter a um candelabro, e ainda por cima italiano. Ironicamente, a nome dado a esse balé orgíaco é o mesmo de um romântico e bem comportado filme americano produzido em 1962, no qual virginal professorinha (Suzanne Pleshette, 1937-2008), em visita à Roma, conhece nobre aristocrata italiano (Rossano Brazzi, 1916-1994), e eles se apaixonam, e eles só fazem sexo, se é que faziam, papai-mamãe, e são felizes para sempre.
Quais são as palavras mais antigas e as recém-surgidas na pornografia brasileira?
Também aqui não tenho uma informação exata para fazer uma declaração peremptória. Mas a palavra foder, por exemplo, já era utilizada na poesia escrita pelo iconoclasta poeta baiano Gregório de Matos (que viveu no século 17). Referendo-se a Salvador da época, escreveu os versos: De dois fês se compõe esta cidade a meu ver/um furtar, outro foder.
Também, girando no mesmo universo gregoriano, podemos citar a palavra freirático, hoje em desuso, mas que mantive no meu dicionário porque tudo que se refere a esse fescenino autor me interessa desde a adolescência. Esta palavra designa uma profissão muito comum na Bahia do século 17.
Como as famílias ricas de Salvador não admitiam a possibilidade de deixar a herança para o primogênito, caso nascesse mulher, quando isso acontecia, os pais a isolavam num convento de freiras, mesmo que não tivessem nenhuma vocação para a vida religiosa. As mulheres obedeciam aos rígidos cânones da época, mas não sem reagirem. Com o que as famílias ricas lhes subsidiavam mensalmente pagavam a homens para fodê–las na calada da noite ou sob a plena luz do sol. Eram os freiráticos.
Quanto a palavrões e expressões pornográficas mais recentes podemos lembrar, por exemplo, a expressão Carái, véi!, usado como eufemismo de Caralho, velho! – usada à exaustão, principalmente por adolescentes, desde os meados dos anos 1990.