Papa Francisco, por favor, pergunte pelo Amarildo
Mário Magalhães
( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )
Estimado papa Francisco,
perdoe o tamanho da carta, pois bem sei que o seu tempo é curto e sagrado, e a agenda de hoje está carregada. Mas o assunto é cabeludo como era Cristo.
Como o senhor tem conhecimento, 33 invernos atrás, o piscar de olhos da vida de Jesus de Nazaré, o papa João Paulo 2º também passou por este país de sol e neve. Este vídeo contou um pouco da visita. Releve, com generosidade, o tom chapa-branca da narrativa, excessivo até para os padrões do Vaticano.
Karol Wojtyla estava longe de constituir um revolucionário, fato sabido por qualquer coroinha. Batia de direita, como o Pelé, e não de esquerda feito o Maradona. Apesar de algumas dessemelhanças, agia como o senhor _é complicado comparar personagens de épocas distintas, tipo Maradona e Pelé, ou Karol e Jorge Mario. Como diria o Nelson Rodrigues, um gênio reacionário que se consagrou aqui no Rio, nem o polaco que vai virar santo nem o senhor jogam no time dos “padres de passeata”.
Melhor assim, que eu fico mais à vontade para humildemente lhe fazer um pedido, pois ninguém tomará uma palavra sua como coisa de baderneiro. No dia 14 de julho, não caiu nenhuma Bastilha cá na cidade, mas desde então vêm caindo muitas lágrimas em um barraco da Rocinha. Era lá que o pedreiro batizado como Amarildo de Souza, pobre como São Francisco, morava em um só cômodo com toda a família, que não é pequena. Aos 42 anos, ele é casado e tem seis filhos.
O Amarildo sumiu depois de ser levado por policiais até a sede da chamada Unidade de Polícia Pacificadora, ali mesmo na favela. Para a família do Amarildo, não há paz desde então. Se ninguém lhe avisou, o senhor pode se informar aqui.
Desculpe o abuso, mas seria possível hoje à noite no palco do Leme o senhor perguntar pelo Amarildo? Faz dias que cada vez mais cariocas cobram: cadê o Amarildo? O governador Sérgio Cabral recebeu a família do pedreiro, mas nada de descobrirem o paradeiro dele. Com um apelo seu, além de constranger a polícia para ser mais eficaz, como ela sabe ser tantas vezes, talvez até o Homem lá de cima mande um socorro.
Naquela memorável viagem de João Paulo 2º, ele foi muito diplomático, e até um “viva” concedeu ao Figueiredo. Muitos jovens, católicos ou não, ignoram que o general que preferia a companhia de cavalos à de gente foi o último presidente da ditadura.
Mas não foi com essa atitude que o velho papa contribuiu para apressar a marcha para o fim daquela tirania na qual mataram o padre Henrique, assessor do D. Hélder Câmara, e torturaram até a insanidade o frei Tito, mártir brasileiro. O que marcou a passagem de João Paulo 2º foi a missa no Morumbi, no dia 3 de julho de 1980.
O papa deu seu recado, contra a tal da luta de classes, e só se surpreenderam os ingênuos. Mas o polonês sabia o que iria ouvir e ouviu 140 mil operários gritando “liberdade!, liberdade!, liberdade!”. Eu vi pela televisão, e até hoje me arrepio com a lembrança do agora beato João Paulo 2º sorrindo com a manifestação popular no estádio.
Ele concordara com o roteiro, e previra ou aprovara o discurso do metalúrgico Waldemar Rossi com diatribes anticapitalistas (se tiver um respiro, eis a íntegra dos pronunciamentos). Não se importou. Depois daquele protesto, em que a peãozada clamou por liberdade sem levar um só golpe de cassetete, todo mundo viu que não tardaria a extrema-unção da ditadura.
O Brasil mudou, mas uma família chora na Rocinha. Não ensinarei padre a rezar missa, falando do drama dos desaparecidos. Em seu país contaram 30 mil na última ditadura. Aqui foram pelo menos 160. O que são números, para quem espera um amigo ou parente que nunca regressa? Não o importunarei com conversa sobre o seu desempenho de sacerdote nos tempos do falecido Videla, almirantes e generais, porque não vem ao caso na urgência do momento.
E se, ao contrário do que supõe a mulher do Amarildo, os policiais militares não o tiverem matado? O passado também ensina que, para salvar uma vida, nada mais útil do que denunciar um sumiço.
Não duvido que não lhe importa ser comparado ao papa que o senhor tanto prezava. Contudo, mais do que deixar um gesto para a história, como João Paulo 2º, o senhor ajudaria uma família de filhos de Deus que ainda aguarda o Amarildo.
Aceite os cumprimentos deste seu meio-xará, e boa sorte aqui nesta terra abençoada pelo Cristo Redentor.