Governantes subestimam neurônios dos cidadãos
Mário Magalhães
( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )
Três toques, antes de passar ao assunto principal deste post:
1) quem não chora não mama, isto é, conquistas sociais só são obtidas indo à luta. Eis uma velha verdade que as novidades recentes consagram;
2) é cedo para saber se a revogação dos aumentos das tarifas de transportes urbanos, vitória dos jovens que acorreram às ruas, será capaz de anestesiar ou interromper os protestos depois dos que ocorrerão hoje;
3) com exceção dos sabichões de costume, não se dissipou a nebulosa que dificulta a interpretação do fenômeno político em curso. Um dos motivos é que as manifestações são terreno de disputa longe de se clarificar.
Ficou evidente nas duas últimas semanas que os governantes subestimam os neurônios dos cidadãos. Supõem que o mandato conferido nas urnas autoriza gestões descoladas das aspirações de quem os elegeu.
Para domar a inflação, o Planalto pediu que os aumentos fossem adiados do começo do ano para junho. Estados e municípios se curvaram. Não cogitaram que, às vésperas da Copa das Confederações, o ambiente estivesse ainda mais propício para mobilizações. Deu no que deu.
Uma das mais rematadas embromações dos últimos anos tratou da construção de estádios para a Copa do Mundo. O contrato estabelecido com a sociedade se fundamentou na promessa de que não haveria desembolso de verbas públicas. Cascata. Apostaram em memória curta, e as ruas mostraram que o Brasil não é uma confraria de tolos.
No anúncio de ontem da revogação dos aumentos no Rio e em São Paulo, os prefeitos Eduardo Paes e Fernando Haddad, mais o governador Geraldo Alckmin, chantagearam os contribuintes: terão de cortar os orçamentos. Paes afirma ignorar como cobrir a despesa extra de R$ 200 milhões do primeiro ano. Se ele julga que os cariocas são esquecidos, lembro-o que a demolição do viaduto da Perimetral, obra de prioridade controversa, consome só no trecho inicial cerca de R$ 1,2 bilhão. De fato, uma questão de prioridade entre necessidades sociais e caprichos de gestor.
O vexame supremo de ontem foi mais uma ausência de Sérgio Cabral, que deixou seu correligionário Paes sozinho na entrevista coletiva. O governador toma como abobados os moradores do Estado. Sempre que há cenários de “notícia ruim”, ele desaparece.
Talvez para evitar o constrangimento de responder: se transporte mais barato e de mais qualidade exige investimento público, como torrar só em sua administração R$ 1,2 bilhão no Maracanã, cuja reforma seria, enfatizo, feita integralmente com recursos privados?
Ou ter de explicar por que, a despeito de proclamar democrática a passeata da segunda-feira, a Polícia Militar agrediu, no domingo, manifestantes no Maracanã e na Quinta da Boa Vista.
Ou, ainda, se há gargalos orçamentários, por que seu governo não escolheu um terreno gratuito na zona portuária para erguer o novo Museu da Imagem e do Som, em vez de gastar uma fortuna para comprar a área da boate Help, na beira-mar de Copacabana.
A fuga de Cabral ao menos o privou de rivalizar com o Alckmin no paroxismo de hipocrisia desse outono: depois das covardias da PM paulista na quinta-feira passada, o governador afirmou que os policiais acompanharam a manifestação para proteger os manifestantes.
Outra indagação para Cabral: por que o metrô no Rio é mais caro do que em São Paulo? Por certo, nada a ver com o vínculo entre a primeira-dama do Estado e o escritório de advocacia que representa ou representou a empresa concessionária do metrô.
Também poderia esclarecer por que identificou “ares políticos” nos protestos, obviedade (queria ares religiosos?), se ele articulou uma caminhada em defesa dos royalties do petróleo na mesma avenida Rio Branco, meses antes.
Pensam que o povo é tonto.
Se reduzir a tarifa configura populismo, como caracterizou Haddad, como adotar a medida horas depois? Por que ele dizia que não seria possível congelar o preço das passagens e foi?
Por que o prefeito e o governador de São Paulo demoraram tanto tempo para recuar? Só há uma hipótese vigorosa: esperavam que o movimento iniciado na capital paulista arrefecesse. Ocorreu o contrário, também em virtude da pancadaria promovida pela PM.
Haddad agitou desde a campanha a promessa de fim da taxa de inspeção veicular. Agora alega dificuldades de caixa para segurar a tarifa do ônibus. Isso, sim, é populismo: ceder a quem usa carro, em vez de privilegiar o transporte coletivo.
Precisou o bloco tomar a rua para Haddad mostrar à população o escândalo que é concentrar no bolso do usuário o custo com os ônibus.
Ponto para o prefeito paulistano, porque o do Rio foi incapaz de jogar luz na caixa-preta das empresas de ônibus, que seguem alheias ao escrutínio público. Talvez desconfie que os cariocas não reparem que a omissão indica promiscuidade.
Isso tudo sem falar em São Gonçalo, logo depois de Niterói, onde o prefeito prometeu tarifas a R$ 1,50, e elas saem por R$ 2,80.
Há eleição no ano que vem. Haddad prejudicou Dilma. Alckmin, a si mesmo. Cabral e Paes, a Pezão. Será que também acharam que o movimento daria em nada, em termos eleitorais? Haja soberba.
Mais rápido, o governador Eduardo Campos anunciou o congelamento das tarifas nas grandes cidades pernambucanas, administradas por aliados seus. Esperto. Se dava para cobrar menos, por que haviam reajustado os valores?
Para concorrer com essa turma, talvez só o jornalismo. No auge dos protestos, um “analista” informou que a luta contra a inflação era uma das mais destacadas nas ruas. Pois eu fui às ruas e posso dizer que a “informação” não tem lastro na realidade. O “analista” fazia política. Talvez por achar, como tantos governantes, que os cidadãos são parvos.