Ranking contra ranking: Majórica, a churrascaria da discórdia
Mário Magalhães
( Para seguir o blog no Twitter: mariomagalhaes_ )
Um glutão neófito em Rio que baixasse na cidade e buscasse uma dica certeira de boa carne, poderia se sentir zonzo ao comparar dois rankings de restaurantes publicados no fim de maio.
Os júris de “O Globo” e “Veja Rio” terçaram espetos. Para o jornal, a Majórica foi campeã _ao lado da Porcão de Ipanema_ na categoria “carnes/churrascarias”. Entre os dez eleitores da revista, a Majórica não recebeu nem uma mera citação como melhor casa de “carne”.
A Majórica foi fundada no comecinho da década de 1960. Instalada em um casarão tombado na rua Senador Vergueiro, no bairro do Flamengo, constitui um ícone da boa comida _ou gastronomia_ carioca. Um incêndio em 2012 destruiu o estabelecimento, que foi sendo reaberto parte por parte. Obra acabada, agora incorpora mezanino e adega. Como eu não aparecia desde a Páscoa, uma eternidade, almocei lá no domingo passado, para refletir sobre a desinteligência dos rankings.
Continua tudo como dantes na rua paralela à Marquês de Abrantes: devorei, como sempre, a… melhor picanha da cidade!
E também a melhor linguiça (os gaúchos chamam de salsichão a linguiça de porco). O melhor arroz branco, molhadinho. E dispensei a melhor mousse de chocolate, aqui dita caseira (R$ 9,90, mais barata do que qualquer sobremesa de restaurante de padrão médio), para comer duas bolas de sorvete Häagen-Dazs de doce de leite.
A Majórica cultiva a tradição: o churrasco é assado na brasa, e não sobre pedras vulcânicas e outros substitutos, exigência de segurança de muitos edifícios residenciais onde algumas churrascarias se instalam no Rio.
Suas carnes são oferecidas no cardápio por peça, ao contrário do Porcão, com sistema de rodízio (espeto corrido). O Pobre Juan, vencedor na “Veja Rio”, também opera por peça, mas na parrilha. Os três usam carvão vegetal, com procedências distintas (o do Pobre Juan evita fumaça).
Comer na Majórica sai bem mais barato do que nas churrascarias de rodízio de ponta, cujo preço por cabeça beira os R$ 100. A Picanha Especial, suficiente para dois adultos, uma adolescente e uma criança, custa R$ 93,50.
Tudo é bom na Majórica, que não tem muitas frescuras, a não ser a decoração com motivos da Espanha, país com numerosas opções na carta de vinhos. Pelo couvert com manteiga, azeitonas, ovos de codorna, molho à campanha, pães, torradas e uma linguiça cobram R$ 12,20 _no custo-benefício, não tem para ninguém.
Uma refeição com a do domingo acumulou couvert, muitíssimas linguiças, caipiríssima, refrigerantes, arroz branco, uma porção de batata-pastel (frita e “recheada” com ar), crema catalana (prima do crème brûlée francês) e sorvete. Saiu tudo pelo preço de dois rodízios do Fogo de Chão, sem contar o gasto com bebidas e sobremesas na razoável churrascaria paulista que chegou não faz muito ao Rio.
Respeito os rankings e gosto de acompanhá-los. Às vezes, permitem boas risadas. Como agora, ao me surpreender com um voto para o restaurante dito argentino Tragga como o melhor em carnes.
Localizado em Botafogo, o Tragga serve vinhos tintos quentes, inclusive no verão _imagine se um restaurante fizesse isso em Buenos Aires… O esclarecimento de um garçom: como as garrafas ficam guardadas em um espaço amplo atrás de um vidro, o ar-condicionado só dá conta, e mal, dos brancos.
O Tragga serve uma linguiça de picanha, embutido que implica alto risco. Moída ou cortada em pedacinhos, a picanha perde o sangue e a textura. Por isso, a linguiça da Tragga é tão seca e ruim. Lá, a picanha que nós comemos estava tão dura quanto a sola de uma bota de sola dura. “Não volto mais aqui”, esperneou um moleque carnívoro de seis anos. Voltaremos, tolerantes que somos, para ver como as coisas evoluíram.
Algumas dicas para quem for à Majórica:
* Deixe claro ao garçom que a picanha deve ser servida inteira, e não fatiada. Essa maldição que virou moda seca a picanha e a esfria rapidamente;
* não se empanturre com as incríveis linguiças, porque faltará apetite para a picanha;
* nos fins de semana, evite chegar depois das 12h30, porque a fila é enorme. Eis uma característica nossa, carioca, com a qual não me identifico: paciência com fila de restaurante.
No mais, bom apetite.