Só com mais de 2 metros Suzana se ‘encaixaria’ na versão de suicídio, mostra simulação na USP; entenda por que altura é decisiva no Caso PC
Mário Magalhães
( Para acompanhar o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )
Um advogado da defesa dos quatro seguranças acusados de co-autoria das mortes de Paulo César Farias e Suzana Marcolino disse dias atrás que a única altura da namorada de PC que importa é a sentada.
Ele tem razão, pelo menos do ponto de vista da versão de que Suzana teria se suicidado. De acordo com o relato do laudo coordenado pelo legista Fortunato Badan Palhares, em 1996, a “suicida” se mata sentada, com o revólver calibre 38 praticamente encostado ao peito.
Porém, uma simulação produzida na USP demonstrou que, para estar correta a hipótese de suicídio, Suzana teria de medir mais de 2 metros da sola dos pés ao cocuruto. Mas sua estatura era inferior a 1,60 m _na versão da equipe de Badan, que não a mediu, teria 1,67 m.
A altura de Suzana às vezes parece um fetiche no Caso PC. Não é, como explico abaixo em 17 tópicos. Foi uma descoberta relativa à estatura que impediu o arquivamento do processo em 1999 e provocou uma reviravolta na investigação.
Eis um roteiro, tim-tim por tim-tim, para entender a questão:
1) A altura de Suzana diz respeito exclusivamente à discussão sobre seu suposto suicídio, não à morte de PC Farias. Esqueçamos, aqui, que não havia digitais dela na arma de onde saíram as balas que mataram o casal de namorados em 1996. Nem que não havia nas mãos de Suzana resíduos de chumbo, bário, antimônio, cobre e zinco, substâncias metálicas que grudam à pele de quem atira com a munição usada naqueles disparos.
2) Foi possível estabelecer a trajetória da bala que matou Suzana, pois o projétil atravessou uma parede de madeira compensada, atrás da cama onde ela foi abatida, e tocou em um móvel atrás. Os dois pontos formam uma reta que fixa a trajetória. A bala ultrapassou a parede a 69,5 cm do solo e bateu no braço de uma cadeira a 66,5 cm, caindo ao chão.
3) Também ficou definida a trajetória da bala dentro do corpo de Suzana: é descendente, trajetória incomum em suicidas que tiram a vida com disparos no peito. O padrão em suicidas é a trajetória ascendente, de baixo para cima, como ensinam os compêndios de medicina legal e balística forense.
4) Paulo César Farias tinha 1,63 m de altura, dado não contestado por qualquer perito que tenha sido chamado a se pronunciar no processo.
5) Ao entregar à Justiça de Alagoas o laudo coordenado por ele, em 1996, Badan Palhares não informou a altura de Suzana Marcolino. Instado pelo juiz, informou: 1,67 m.
6) Uma segunda equipe de peritos, convocada pela Justiça de Alagoas, produziu um novo laudo em 1997. Exumados os restos mortais de Suzana, foi projetada sua altura com base em ossos longos, da perna. Foram empregadas tabelas antropométricas de projeção consagradas internacionalmente. A altura encontrada ficou em torno de 1,57 m. Isso significaria que, se Suzana estivesse sentada, típica posição de suicidas, considerando seu peso e as características do colchão, a bala teria passado bem acima do seu peito. Suzana teria, na verdade, sido morta se levantando, como numa posição de defesa diante de um atirador.
7) Badan Palhares reagiu em setembro de 1997, com um artigo na “Folha de S. Paulo”, reafirmando 1,67 m. Escreveu que “a altura de Suzana é fundamental. Estando errada, estará errado todo o resto _a começar pela trajetória do tiro e por sua projeção em relação à parede trespassada pela bala”.
8) No dia 24 de março de 1999, a “Folha” publicou uma série de fotos que mostram que Suzana era menor do que PC, cuja altura era, já se disse, 1,63 m. O autor da reportagem, hoje titular deste blog, ouviu parentes de Suzana, amigos, colegas e professores de academia, viu os sapatos de saltos altíssimos que ela usava, conheceu relatos sobre sua bronca por ser baixinha e muitos outros depoimentos que confirmavam o que as imagens evidenciavam sem margem a dúvidas.
9) Na véspera da publicação da reportagem, o promotor Luiz Vanconcelos, que cuidava do caso, afirmara que iria pedir o arquivamento do processo, por falta de provas de que não ocorrera o homicídio (Suzana teria assassinado PC) seguido de suicídio (ela dera cabo da própria vida), versão da polícia em 1996. Ao se deparar com as fotos reveladas no jornal, Vasconcelos decidiu reabrir as investigações.
10) A equipe autora do laudo de 1996 alegou que a altura de 1,67 m aparece em fotos do corpo de Suzana na necropsia efetuada por Badan Palhares, dias depois das mortes. Na mesa de autópsia existe mesmo uma régua lateral. Contudo, como se constata analisando as imagens, as fotos são parciais, mostrando a cabeça, mas não a posição dos pés, se estariam na posição 0 cm da régua.
11) Por meio de um advogado, Badan Palhares reafirmou que mediu a altura de Suzana na necropsia. Ocorre que Badan providenciou a gravação de todo o procedimento médico-legal, o que resultou em um VHS de 1 hora, 59 minutos e 58 segundos de duração. Essa gravação consta dos autos do processo. Em nenhum momento, de antes de abrir o caixão, até fechá-lo novamente com o cadáver de Suzana, ela teve a altura medida. O áudio demonstra que não se tocou no assunto.
12) Dois funcionários da Unicamp que participaram da necropsia executada por Badan Palhares depuseram à Polícia Federal. Ambos asseguraram que Suzana não foi medida.
13) A equipe do primeiro laudo fez referência a um vídeo em que se pergunta a um legista de Alagoas, que participara da autopsia em seguida às mortes, sobre a altura de Suzana. Ele responde 1,67 m. Não há referência a essa altura no laudo da necropsia. Na verdade, era a altura que Suzana informava em documentos, alongando seu tamanho.
14) Badan Palhares afirmou que se pudesse comparar Suzana com uma pessoa viva ficaria claro que ela tinha 1,67 m. Foi o que eu fiz. Ana Luiza Marcolino foi medida por um médico, e a “Folha” publicou novas fotos, agora das duas irmãs. Ana Luiza mediu 1,63 m no consultório. Era bem maior do que Suzana, como asseguram as imagens e as duas sempre souberam. O maior da família é o irmão, com 1,65 m.
15) A equipe de Badan Palhares alegou que a tabela antropómétrica empregada pela segunda turma de peritos, para projetar altura com base em ossos longos, não se aplicava a brasileiros. A “Folha” revelou que Badan apresentara em um congresso em Boca Raton, na Flórida, casos em que ele utilizara com sucesso as tabelas que criticava no caso PC. Usei as tabelas adotadas pelo próprio Badan e, com base no tamanho dos ossos longos de Suzana, descobri que sua altura se situava entre 1,57 m e 1,58 m.
16) O Ministério Público de Alagoas requisitou formalmente, e a “Folha” cedeu as fotos relativas à altura de Suzana. Laudo produzido na Unicamp com estudo em computadores projetou a altura entre 1,53 m e 1,57 m.
17) De certo modo, praticamente toda a discussão anterior ficou vencida quando o legista Daniel Muñoz, professor da USP, fez em 1999 uma simulação do que teria sido o “suicídio” de Suzana. Muñoz fora o coordenador da equipe que identificou os restos mortais do nazista Josef Mengele. Ele integrou a segunda equipe de peritos a se pronunciar no Caso PC, rechaçando a hipótese de Suzana ter matado o namorado e a si mesma. Usando várias de suas alunas com tamanho e peso parecido ao de Suzana como “dublês”, ele reconstituiu o tiro. Descobriu que, sentada, Suzana precisaria ter mais de 2 metros para que a bala a atingisse no peito. Logo, ela não estaria sentada, o que derruba a versão de suicídio. A simulação conduzida por Munõz foi apresentada em um debate entre os peritos, promovido pela Justiça de Alagoas, e consta dos autos.