Blog do Mario Magalhaes

Empolgante e comovente, ‘Somos tão jovens’ reconstitui as paixões e o ‘nascimento’ de Renato Russo

Mário Magalhães

Thiago Mendonça, em sua soberba interpretação de Renato Russo, em ''Somos tão jovens''

 

Sei, tudo bem, que o porvir, daqui a muito tempo, é que definirá com mais sobriedade o tamanho artístico do Renato Russo. Mas, hoje, eu o tenho, sim, na condição de gênio.

Por isso mesmo, fui para lá de desconfiado assistir ao filme “Somos tão jovens”, de Antônio Carlos da Fontoura, sobre os anos de formação musical em Brasília do líder da Legião Urbana. Contar com narrativa de ficção um pedaço da história de um gênio não é a mesma coisa que contar um pedaço da história de um mortal como quase todos nós.

A despeito dos meus temores, o filme é belíssimo, com tantos méritos que descrevê-los tomaria bem mais espaço do que gastarei aqui. A estética não é nem a dos filmes de arte europeus a que Renato Manfredini Júnior (nome de batismo de Renato Russo) assistia nas décadas de 1970 e 80 _e eu continuo assistindo_ nem a de “A rainha diaba”, filme de Fontoura, de 1974, cujo DVD guardo em casa.

Trocando em miúdos, poucas ousadias e experimentações, em favor de uma estrutura convencional. O que não implicou vulgarizar o filme. Seria muito fácil produzir videoclipes com os shows mambembes do Aborto Elétrico e da Legião Urbana, as duas bandas de Renato. Fontoura reconstitui com dicção de documentário as apresentações, dando-lhes ainda mais vida, reforçando a pegada (a exceção de que recordo é “Ainda é cedo”).

Havia o risco de pasteurizar o protagonista, tornando mais palatável uma pessoa sabidamente irascível. Fontoura foi de uma honestidade impressionante: a figura era mesmo difícil e complicada, ele deixa claro. No episódio em que o baterista Fê Lemos atira uma baqueta em Renato, que decide deixar o Aborto, antes de voltar atrás, o diretor não sonega que o cantor deixara os dois companheiros na mão, antes de um show. Fê tinha suas razões, e Renato tivera seu motivo para entrar em crise. Não direi qual era para não estragar a surpresa.

Outra tentação talvez fosse sonegar a homossexualidade de Renato, para torná-lo menos controverso. Pois suas paixões por homens permeiam todo o filme, inclusive com a declaração dele, bêbado, ao guitarrista Flávio Lemos, como eu havia lido no livro-referência “Renato Russo – O filho da revolução” (Agir, 2012, 2ª edição), de Carlos Marcelo, creditado como consultor do roteiro de “Somos tão jovens”.

Fontoura poderia ter cometido um final de provocar desidratação, de tanto choro, nos cinemas. “2 filhos de Francisco” seria lembrado como um filme gélido. Em vez disso, exibe ao final a Legião “verdadeira”, com Renato Russo no vocal. Singelo, contido, sem apelação.

Outra grande sacada foi escalar o ator Thiago Mendonça _que desempenho!_ para cantar, em vez de usar os originais da Legião e a voz do Renato real. Marion Cotillard ganhou merecidamente o Oscar dublando Piaf, e não seria pecado reeditar a fórmula. Com a coragem de dar o microfone a Thiago, tudo soa, por mais paradoxo que possa parecer, mais autêntico. Inclusive a evolução vocal do personagem Renato.

Diante de apostas tão certeiras como essa, ficam menores tropeços como o personagem Herbert Vianna. Quando Herbert aparece em cena, a plateia ri, porque foi feita uma imitação do cantor dos Paralamas do Sucesso, sobressaindo a voz anasalada. Lembra show de humor.

Do início ao fim, “Somos tão jovens” consagra a ideia de que é possível fazer bom cinema no Brasil sem abrir mão do apelo de público.

Para quem aterrissou ontem na Terra, “Somos tão jovens” é um verso de “Tempo perdido”, clássico da autoria de Renato, lançado em 1986 no LP “Dois”, da Legião. Nessa mesma composição ressoam os versos “Não tenho medo do escuro/ Mas deixe as luzes acesas/ Agora”.

Com toda a recusa de Antônio Carlos da Fontoura pela emoção fácil, o filme é emocionante do começo ao fim. Ele abre sedutor, com os acordes iniciais de “Tempo perdido”. E fecha, antes das imagens da Legião “autêntica” sobre o palco, com o anúncio de um convite para viajar ao Rio e tocar no Circo Voador.

É claro que eu me lembrei de ir ao velho Circo, já na Lapa, assistir à Legião, entre o segundo semestre de 1984 e o primeiro de 1985, convidado pela amiga Graciela. Como eu não era roqueiro, embora gostasse de rock, não os conhecia.

Renato tinha quatro anos mais do que eu. Éramos mesmo tão jovens.

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